NOTA DO EDITOR CHEFE: para quem já está acostumado com os reviews do Musashi, sabem que ele faz um grande contexto em jogos relacionados à história ou mitologia. Entretanto, em GoW, alguns aspectos do review podem ser considerados spoiler leve com esses contextos, mesmo que o jogo em si seja uma ADAPTAÇÃO da lenda de mitologia nórdica. Portanto, recomendamos que você leia o review mediante esse aviso ou que espere terminar o jogo para pegar as referências, apesar de tudo, sabemos que há pessoas que não gostam de saber alguns detalhes.

* Esta análise foi feita com o código cedido pela Sony Interactive Entertainment (versão PS4 e PS5)
** Um agradecimento especial à Sony Interactive Entertainment Europe pela ajuda extra com o código
Distribuidora: Sony Interactive Entertainment
Produtora: Santa Monica Studio
Plataforma: PS4 / PS5
Mídia: Física e Digital
Ano de Lançamento: 2022

God Of War Ragnarök é um jogo de ação com elementos de RPG, continuação do soft reboot da franquia God Of War (2018), onde Kratos e Atreus precisam buscar respostas sobre as profecias do Ragnarok, o fim do universo nórdico.
Antes de começar o review propriamente dito, alguns pequenos avisos:
– não haverão grandes spoilers sobre o título, mas alguns acontecimentos do jogo anterior serão citados para um melhor entendimento, esteja avisado sobre spoilers do jogo de 2018;
– como Ragnarök é uma reinterpretação da mitologia nórdica, muitos eventos possuem versões diferentes no jogo em questão, mas eu escrevi um Filosofando Sobre Pixels falando justamente sobre alguns mitos nórdicos e suas possíveis implicações neste título (que agora sabemos não são spoilers dada a diferenciação das versões);
– há outros textos no site sobre a franquia, que podem ser encontrados na tag God Of War;
– futuramente farei um Campo de Spoilers para falar melhor sobre o final do jogo e comentar variações da mitologia, etc… mas primeiro vamos dar tempo pras pessoas comprarem o jogo e finalizarem;
– algumas mecânicas não serão descritas para evitar spoilers
A PROFECIA DO RAGNAROK
Após concluir a (árdua) tarefa de levar as cinzas de Laufey ao topo do pico mais elevado dos Nove Reinos, Kratos e Atreus descobrem um painel com a profecia dos atos de Atreus, chamado pelos Gigantes de Loki.

No processo, eles acabaram por matar o deus Baldur, despertando a ira de sua mãe, a deusa Freya e o início do Fimbulwinter, o inverno cruel e contínuo que antecede o Ragnarok.
Entre os dois jogos Atreus cresce, chegando à adolescência, e descobrindo como interagir com painéis encontrados no primeiro jogo, sendo capaz de adentrá-los e ver outra realidade dentro deles: a profecia de Gróa*.
Tal profecia mostra um caminho diferente dos painéis, onde a derrota de Odin, com a ajuda dos povos unificados ante o Campeão dos Gigantes, impediria o fim do universo através do Ragnarok.

*Gróa é uma völva (vidente) na mitologia nórdica, esposa de Aurvandill, e praticamente de seiðr (a magia nórdica capaz de contar e moldar o futuro).
A BUSCA POR TÝR
Ainda no início do jogo, ao retornarem para casa, Kratos e Atreus são confrontados por Thor para uma conversa “amigável”, a qual se une Odin.
O Pai-de-Todos oferece paz à dupla, apesar das mortes de Magni e Modi (filhos de Thor), bem como o perdão pelo resgate de Mimir e a promessa de que Freya será contida em sua vingança. Em troca, Atreus deve parar a procura por Týr, o antigo deus da guerra nórdico.

Atreus estava buscando Týr em segredo, com a ajuda do anão Sindri, para tentar desencadear a profecia de Gróa, contrariando as expectativas de seu pai.
Como a viagem entre os reinos através da Bifrost estava selada por Odin, apenas os anões sabiam como deslocar-se entre os reinos.

Kratos recusa a oferta e luta com Thor, para pagar sua “dívida de sangue” pelas mortes dos filhos do deus do trovão.
Esta batalha inicial é apenas para que Kratos mostre sua verdadeira força, sendo então Thor satisfeito.

LEVIATÃ E O CAOS
Kratos retorna com o machado Leviathan e as Blades of Chaos, como no jogo anterior.
Novamente a configuração padrão é com os botões de gatilho e ombro do Dual Sense: L1 para defesa e parry com o escudo, L2 como mira, R1 para o ataque fraco e R2 para o forte.

Os ataques rúnicos são acionados com L1 + R1 e L1 + R2. Já a relíquia funciona com L1 + O.
Ataques rúnicos podem ser configurados para efeitos adicionais, como Atordoamento, Dano, Elemental, etc.

O escudo, que não possuía variação no jogo anterior, agora pode ser mudado e modificado, com propriedades específicas, como avançar contra os inimigos, absorver e guardar dano do impacto, etc.
Indicações de cor podem avisar como reagir utilizando o escudo: dois círculos azuis significam um ataque que pode ser quebrado com o escudo, usando o duplo clique do L1; ataques amarelos podem ser absorvidos, mas caso não reaja no momento certo, Kratos terá a defesa quebrada; já o vermelho indica ataques poderosos que não podem ser defendidos ou aparados.
Lembrando que o parry do escudo funciona tanto para interromper o ataque inimigo e abrir uma brecha de contragolpe como para devolver projéteis.

Há uma terceira arma, disponível em momento mais avançado do jogo, mas não comentarei pelo spoiler.
A mecânica de arremesso do machado continua semelhante: L2 + R1 arremessa a arma como ataque leve, batendo e caindo no chão, já o L2 + R2 crava no inimigo, podendo congelá-lo se estiver carregado.
Para chamá-lo de volta, basta apertar Triângulo.

Já a Fúria Espartana agora possui três variações, sendo que o acesso às duas novas versões é conseguido paulatinamente, conforme o progresso da trama.
– Ira: o modo tradicional, recupera vida aos poucos enquanto ativada e gera bônus de força, com Kratos podendo apenas usar os punhos;
– Bravura: recupera automaticamente uma parte da vida;
– Cólera: a barra de Fúria divide-se em várias pequenas barras, sendo cada uma acessada com o R3+L3 e gerando um ataque único e poderoso, que mata automaticamente inimigos fracos.
TRANSITANDO ENTRE NOVE REINOS
Inicialmente bloqueados por conta de Odin, o acesso ao reino entre os reinos, onde é possível acessar todos os mundos do jogo, é desbloqueado com a ajuda da dupla de anões.

Todos os nove reinos podem ser acessados em Ragnarök, embora alguns estejam presos a certos capítulos.
Os portais de rocha reconstroem-se conforme a pedra encantada é usada para acessá-los.
Há diversos portais em um mesmo reino, sendo desbloqueados conforme você descobre novas áreas.

Como muitas habilidades e equipamentos não estão disponíveis logo de cara, é importante lembrar-se de voltar eventualmente em reinos já explorados, para desbloquear novas áreas, muitas delas com coletáveis, equipamentos, lore e side quests.

As side quests, que já eram bem desenvolvidas no primeiro jogo, estão ainda melhor integradas à trama principal, sem aquele sentimento de desvio da aventura propriamente dita.
Ajudar espíritos com tarefas não realizadas, libertar criaturas aprisionadas e recuperar itens estão entre as atividades extras.
Inclusive diálogos e lore importantes são revelados através destas side quests, seja pelas conversas com Mimir e os NPC’s que o acompanharem na jornada ou mesmo através de itens encontrados.
YGGDRASIL, A ÁRVORE PRIMEVA
Yggdrasil é a árvore que percorrer os Nove Reinos, dando sustentação a eles.
Em suas raízes (Niflheim) está Niddhog, a serpente (ou dragão) que as rói, na espera pelo Ragnarok. No topo da árvore está Hræsvelgr, a águia gigante, que cria ventanias sempre que bate as asas.

Outro habitante local é Ratatoskr, o esquilo que se encarrega de entregar os insultos entre Niddhog e Hræsvelgr.
No título, é também ele que nos concede as sementes de Yggdrasil, responsáveis por abrir portais extras, ainda não revelados no mapa.

É também na árvore que estão os quatro cervos que representam as estações do ano, alimentando-se de suas folhas: Dain, Dvalin, Duneyr e Durathor.
Outras interpretações das Eddas poéticas (os livros de poemas que são a mais rica fonte de conhecimento preservado da mitologia nórdica), sugerem que os cervos podem representar também os quatro elementos e/ou as fases da lua.

No jogo, devido à confusão causada pelo Fimbulwinter, os cervos fugiram de Yggdrasil, sendo necessária uma ração especial para atraí-los até os portais e redirecioná-los de volta ao seu local de origem.
JORNADA PESSOAL E DIVERSA
GOWR é a jornada mais intimista de Kratos.
Aqui vemos o antigo deus da guerra espartano finalmente abrindo-se para o perdão e o amor pelo filho.
A evolução do personagem que começou no jogo de 2018 mostra-se completa aqui, com um personagem maduro e mais consciente de suas ações e consequências.


Já Atreus parte em uma jornada mais pessoal, em alguns momentos sendo controlado individualmente, buscando a verdade do seu povo original, os Jotun.
Os poderes do jovem também estão florescendo, ainda sem controle total por parte do personagem.
Novamente, por motivos de spoilers, não irei entrar nos detalhes, mas digamos que Atreus possui sua própria versão da Fúria Espartana, bastante própria da sua versão nórdica.


Outro detalhe a destacar é a variedade de ambientes e inimigos, principalmente no que concerne aos chefes, a grande reclamação do título anterior.
Enquanto no título de 2018 muitas das lutas contra chefes repetiam variações de trolls, possivelmente como uma mecânica colocada “às pressas”, por conta de problemas no desenvolvimento, como a questão da câmera sem cortes (que o próprio Cory Barlog relatou em entrevistas ter sido uma grande dor de cabeça), aqui as soluções já encontradas parecem ter dado mais tempo para a equipe focar-se no polimento de outras áreas.


Não apenas os chefes, como os inimigos convencionais também possuem maior variação, indo de runas encantadas a lagartos humanoides e grandes “jacarés”, passando pelos humanos que transformam-se em draugrs (fato que ocorria em apenas uma cena rápida anteriormente) e a introdução dos einherjars*.
* Os guerreiros mortos em batalha eram levados pelas valquírias a Valhalla, tornando-se os einherjars, os guerreiros de Odin, preparando-se para o vindouro Ragnarok.


Falando nas valquírias, como suas formas corrompidas foram derrotadas no jogo anterior, tais lutas foram aqui substituídas pelos espíritos dos guerreiros Berserkers.
Ao acessar suas tumbas, enfrenta-se batalhas em arenas de gelo, extremamente desfiadoras (e um tanto quanto injustas em alguns momentos).
Não é recomendável encarar tais desafios num primeiro momento, pois você provavelmente não estará equipado e evoluído o suficiente.
BELEZA APOCALÍPTICA
GOWR é um jogo bonito, MUITO BONITO.
A estética dos diferentes reinos e criaturas possui ótima diversidade, especialmente das criaturas marítimas.
O reino de Vanaheim também ganha destaque pela floresta densa, entrecortada por um rio com cachoeiras, o qual percorremos de barco.


Já Midgard, onde antes navegávamos também através de barco o Lago dos Nove, agora congelado pelo Fimbulwinter, é percorrido de trenó, puxado pelas lobas Speki e Svanna, grandes companheiras e ajudantes.
Em Alfheim, terra dos elfos negros, que conhecemos no jogo anterior apenas por um templo envolto por um pântano, agora temos acesso à outra parte do reino, com desertos, onde dois Gullons (animais semelhantes a grandes felinos) puxam esta versão do trenó.


Os personagens são bem modelados, especialmente Kratos.
Há mais seres inteligentes para interagir desta vez, como alguns anões em Svartalfheim, incluindo Raeb, o anão interpretado pelo compositor da trilha sonora, Bear McCreary (que inclusive toda hurdy gurdy, como o compositor).


Um ponto interessante é que as armaduras, que no jogo anterior tinham muito problema de colisão com a barba de Kratos e as armas, agora não mais sofrem deste problema: não há nada atravessando as armaduras e vice-versa.
Também foi adicionado transmog no título, a habilidade de mudar a aparência das armaduras entre si, apenas para efeito estético.


A trilha sonora, composta pelo já citado Bear McCreary é ainda melhor que a do jogo anterior, com mais variedade de instrumentos para diferentes regiões, incluindo o hurdy gurdy, violão e os já famosos instrumentos de orquestra.
A música dos créditos é uma co-criação entre o compositor da trilha e o músico Hozier, que interpreta a belíssima faixa chamada Blood Upon The Snow.
A dublagem (em inglês) também merece mais uma vez destaque, em especial para Christopher Judge (Kratos), Sunny Suljic (Atreus), Danielle Bisutti (Freya) e Alastair Duncan (Mimir).
Como estreantes na série, destacam-se Ryan Hurst (Thor), Laya DeLeon Hayes (Angrboda), Ben Prendergast (Týr) e Richard Schiff (Odin).

PLANEJADA PLATINA
A platina de GOWR parece ter sido especialmente pensada para fazer com o que o jogador explore e aproveite tudo que o jogo tem a oferecer.
Os corvos de Odin espalhados pelos Nove Reinos agora geram recompensas através de baús com itens (incluindo um set completo de armadura), os coletáveis podem ser vendidos para os anões em troca de hacksilver (a moeda corrente do jogo), além de adicionarem ao lore e mencionarem outras franquias PlayStation.


É uma platina relativamente desafiadora, considerando-se que é necessário derrotar todos os Berserkers, incluindo seu rei e uma outra luta “secreta”, ambas batalhas bastante estressantes e que pedem estratégia e paciência, além de reflexos afiados.
Os desafios de Muspelheim não ficam atrás na dificuldade.


De resto, upar um set de armadura até o final, melhorar completamente uma arma e preencher os nove espaços do Amuleto de Yggdrasil consumirão algum tempo, mas tudo no jogo é bem costurado, não há uma sensação de parar a trama para fazer algo extra.
Os próprios diálogos das side quests são integrados à trama.
RESUMO DA ÓPERA:
“Em time que está ganhando não se mexe” é um ditado popular que prova-se errado aqui: God Of War Ragnarök é uma evolução grande em relação ao já excelente God Of War (2018).
Cada pequeno problema do jogo anterior, como a repetição de chefes, foi corrigido aqui.


Enquanto no título anterior a câmera sem cortes foi motivo de stress para a equipe de produção, uma vez solucionado o problema, agora houve tempo extra para o refinamento da experiência.
Mesmo com pequenos truques, como a troca entre Kratos e Atreus na jogabilidade, através do enfoque em um objeto.

O fim da jornada de Kratos e Atreus é uma experiência completa e complexa, com muitos detalhe sutis na relação de pai e filho, agora melhor desenvolvida, ainda que aos trancos no começo do jogo.
O encerramento deixa dúvida sobre possíveis continuações da franquia ou sobre o seu real encerramento, mas isto será discutido futuramente, em outro texto (sem spoilers aqui!).

A Santa Monica mais uma vez surpreende com os gráficos absurdos e com a soberba trilha sonora, além de um excelente trabalho de dublagem.
Foram longos quatro anos entre os dois títulos, mas valeu à pena cada minuto esperado e mesmo os adiamentos.

A jogabilidade fluída e a falta de bugs ou crashes (ao menos na minha experiência) só abrilhantam a obra no PS5.
Talvez os jogadores de PS4 sofram um pouco mais com o barulho do cooler do console pelo esforço exigido.
Um conto de reimaginação (quase) completa da mitologia nórdica, God Of War Ragnarök é, sem sombra de dúvidas, o lançamento do ano.
Um jogo que, ao menos na minha opinião, pode ser colocado como o jogo da geração no PlayStation 5 (ainda que ele possua versão para o irmão mais velho).