
Quando era pequeno, fiquei muito impressionado com Exterminador do Futuro 2 e a ideia de uma inteligência artificial controlando máquinas para aniquilar a humanidade.
Meu pai explicou que aquilo era uma ficção irreal, uma máquina jamais poderia superar a mente humana, tomando consciência.

Anos depois, assistindo Matrix, uma nova (e mais “palatável) ideia me era apresentada: a inteligência artificial controlando a humanidade através da manipulação.
Mesmo assim a ideia parecia muito fantasiosa.
Essa ideia de uma inteligência artificial inimiga dos humanos sempre permeou a ficção científica.
Uma evolução natural dos robôs que se revoltam contra seus mestres.

O próprio conceito de seres artificiais é anterior à robótica.
Os golens, da mitologia judaica, são criaturas feitas pelo homem através de poderes divinos e material inanimado (pedras, com frequência).
Porém, por serem criados por seres humanos, os golens possuem limitações intelectuais.
Por outro lado, os autômatos, mecanismos capazes de executar pequenas tarefas tiveram suas funções exacerbadas na mitologia grega (como Pandora e Talos) e mesmo em antigos relatos chineses (como o homem autômato de Yan Shi).

Os autômatos mitológicos trazem consigo o conceito da criatura autogerida, ou seja, capaz de realizar tarefas sem a ajuda de seu criador.
Embora pitoresco, é o princípio da ideia de uma inteligência artificial.
E com o surgimento do conceito de inteligência artificial, surgem dilemas éticos e morais: uma inteligência criada pelo homem possui direitos? Se consciente, ela pode superar o homem?
E será uma inteligência artificial capaz de ser consciente? Se sim, ela aceitaria sua própria condição?
Apesar de muito longe disso, temos presenciado o surgimento de uma nova onda de inteligências artificiais nos últimos tempos.
O chatGPT e outras Open IAs estão tomando a internet de assalto pelas notícias assustadoras (e algumas vezes mentirosas).
Embora abertas ao público agora, estas inteligências vem sendo estudadas e desenvolvidas em grandes empresas já faz algum tempo.
Em versões mais simples, o próprio mecanismo de busca do Google ou os bots que identificam termos ofensivos no Youtube são inteligências artificiais já em funcionamento.
Mas em 2022 tivemos a notícia de uma IA que começou a questionar sua função e seus “direitos” através de conversas com um engenheiro da Google que foi “afastado” após divulgar estas informações.
É claro que as questões levantadas pela IA baseiam-se, ainda, em conceitos que ela “aprendeu” através do conhecimento humano que a alimenta, mas isto nos dá uma leve noção de que, aos poucos, talvez caminhemos para a criação de uma IA realmente consciente no futuro.
Outro exemplo é o das IAs que foram colocadas para conversar entre si e, após algum tempo, decidiram que idiomas humanos não eram eficazes e passaram a se comunicar por uma linguagem própria, ao passo que foram desligadas por não poderem mais ser “vigiadas”.

E então, como uma brincadeira, as IAs capazes de “produzir” arte através de informações alimentadas pelos usuários surgiram.
Elas levantaram muitas questões de direitos autorais (uma vez que utilizam conceitos e parte de imagens de artistas reais).
Mas o mais importante: qual o valor da arte criada por um ser inanimado?
Quanto o fator humano influencia na obra em si? Seria aceitável comprar um quadro ou consumir uma música criada por uma máquina?
Chegamos, finalmente, ao chatGPT, que eu estou ironicamente chamando aqui de Gepeto, o escultor do Pinóquio, o boneco de madeira que ganha vida através de magia.
Analogia esta que, ao contrário do que considerei de início, já foi utilizada.
O GPT levantou muito mais questões, dada sua capacidade de emular (e atente-se ao termo emular) escritas de autores famosos, resolver problemas criando soluções de forma autônoma (ainda que baseando-se em conceitos humanos) e responder perguntas e fazer pesquisas mais eficientes, embora com uma margem considerável de erros e muito dependente da alimentação de informações.
O ponto é que o chatGPT, embora ainda com muitas limitações, é uma IA capaz de revisar e traduzir textos e mesmo redigi-los com base nas informações inseridas.
Desta forma, muitas profissões podem ser ameaçadas, o que, por si só, não seria um problema se fosse restrita a um campo.
Novas tecnologias tendem a impactar o mercado de trabalho, mas o chatGPT não apenas substitui uma parcela da força trabalhadora em diversos campos como pode induzir ao erro aqueles que não verificarem as informações que ele disponibiliza.
Ainda mais grave pode ser a dependência humana gerada pela facilidade do acesso a informações cada vez mais específicas, pulando o processo de filtragem que os próprios humanos fazem quando pesquisam algo, gerando bolhas de conhecimento e gostos ainda mais excludentes dos que as atuais.

E nem vamos entrar no campo amoroso, onde solitários graves poderiam abandonar a ideia de interagir com outros humanos e passar a conviver apenas com uma IA.
Parece ficção científica, como no excelente filme Ela, onde Joaquin Phoenix se apaixona por uma IA após um divórcio, mas a carência já afeta de forma muito forte países como o Japão, com a sua tradição de clubes hostess, onde homens pagam para mulheres conversarem e beberem com eles, apenas pela companhia.
Os hikikomori, aqueles jovens que se isolam completamente em suas casas, teriam ainda menos estímulo para saírem, podendo “receber atenção” irrestrita e artificial.
Até mesmo nos games a sombra do chatGPT e semelhantes se manifesta, com uma notícia recente de que a UbiSoft estaria interessada em utilizá-los para escrever falas de NPCs.

Embora o futuro pareça negro, vale lembrar que, ao menos por enquanto, estas inteligências artificiais apenas simulam situações, sem entendê-las por completo, como no experimento do Quarto Chinês, de John Searle.
Neste experimento mental, Searle sugere que uma pessoa presa em um quarto com um livro de regras e uma série de símbolos chineses (aos quais ela não possui conhecimento), pode utilizá-los para responder perguntas feitas com os mesmos símbolos.
Simplificando: a pessoa conseguirá responder as questões, combinando os símbolos, mesmo sem entender o significado das perguntas, tampouco das respostas.
Ou seja, de igual forma, uma inteligência artificial pode obter respostas convincentes, mas não sabe interpretá-las (ao menos por enquanto?).

Pinóquio, o garoto de madeira criado por Gepeto, tem o nariz aumentado de tamanho ao mentir, assim como algumas respostas e pesquisas que o chatGPT desenvolve.
Porém, ao fim da história, a fada transforma Pinóquio em um menino de verdade.
Estaríamos caminhando para um futuro onde as inteligências artificiais tornar-se-ão conscientes e poderão, por fim, suplantar a inteligência humana?