
* Esta análise foi feita com o código cedido pela Assemble Entertainment (versão PS4)
Distribuidora: Assemble Entertainment
Produtora: Robotic Pumpkin Games
Plataforma: PS4 / PS5 /Xbox One / Xbox One S / Xbox One X / Switch / PC / Android / macOs / iOS
Mídia: Digital
Ano de Lançamento: 2020/2021

The Innsmouth Case é uma aventura em texto de horror e comédia, inspirada na obra “A sombra de Innsmouth”, de H. P. Lovecraft.

A SOMBRA DE INNSMOUTH
Publicado em Abril de 1936, A Sombra de Innsmouth (The Shadow over Innsmouth) foi o único trabalho de Lovecraft no formato original de livro, ainda em sua vida (suas demais publicações foram na revista pulp Weird Tales ou após sua morte).

Sem grandes spoilers, o livro trata sobre um jovem que, em uma viagem à Nova Inglaterra, precisa passar uma noite no vilarejo de Innsmouth. Outrora uma proeminente cidade portuária, entrou em decadência após a Guerra Anglo-Americana de 1812.
Após revoltas e uma epidemia que dizimou metade da cidade, em 1845, a cidade caiu no esquecimento, não aparecendo em mapas e ficando cada vez mais isolada das cidades próximas devido aos vastos marismas* (salt marshses).
* Marisma (também chamado de pântano salgado) é um pântano formado pela água do mar, criando um ecossistema úmido, com plantas herbáceas que crescem na água, altamente toleráveis à presença de sal.

O mercador Obed Marsh, que possuía uma refinaria de ouro antes das revoltas, também é o responsável por fundar um culto pagão, a Ordem Esotérica de Dagon.
A história faz parte dos Mitos de Cthulhu, incluindo ligações com os Deuses Anciões e os habitantes da cidade possuem o estranho odor de peixe podre…
UMA INVESTIGAÇÃO DIFERENTE
Você controla um detetive particular (formado por um curso online mas, hey, não estamos julgando) que recebe uma misteriosa mulher em seu escritório. Ela deve investigar o desaparecimento de Tabitha Marsh, a filha de um pescador, no vilarejo de Innsmouth.

Ao questionar a mãe, Dahlia Marsh, você recebe dela uma foto e, ao olhar a criança, precisa segurar uma onda de ácido prestes a sair de sua boca.
Vomitar ou não sobre a foto depende de sua escolha (e aqui já fica claro o tom sarcástico do jogo).

Innsmouth, no entanto, não consta em nenhum mapa; mesmo assim, você consegue uma passagem de ônibus na rodoviária local, caso resolva ir de ônibus para economizar (suas dívidas acumuladas são exorbitantes e o pagamento pela resolução do caso parece o suficiente para desafogá-lo). Isso tudo, claro, se tiver aceitado o caso da mãe desesperada.
LIVRO-JOGO VIRTUAL
TIC possui o formato de um livro-jogo (ou aventura solo), uma obra interativa na qual o jogador escolhe cada caminho do personagem, sendo através da escolha de números aleatoriamente ou com o uso de dados.

Chama-se comumente de aventura solo por ser uma derivação do RPG, sem a necessidade de outros jogadores e um Mestre.
Aqui, falamos do RPG em sua essência, o jogo de mesa, baseado em um livro, com um conjunto de regras e um Mestre (ou Narrador, em alguns sistemas) que descreve a aventura enquanto o grupo de jogadores toma decisões e rola dados para combate, testes e outras eventuais situações.

O RPG de mesa, como o nome sugere, é um Jogo de Interpretação de Papéis (Role-Playing Game), fato que o diferencia do posterior RPG eletrônico, onde a limitação dos criadores determina o que o jogador pode ou não executar no video game (assim como o Mestre controla o limite da aventura no RPG de mesa).
The Innsmouth Case utiliza o formato de livro-jogo, tanto figurativa quanto literalmente, acontecendo nas páginas de um livro virtual.
As escolhas definem o rumo da aventura (que possui um total de 27 finais), levando a diferentes situações (e resoluções).
TERRIR
O título alterna momentos de comédia e horror, enquadrando-se no subgênero terrir (terror e humor combinados), apostando em uma curiosa versão cômica do tenebroso universo de Lovecraft.
Há momentos de tensão, quando a morte se aproxima e um erro de escolha pode levar a um dos finais ruins (e acredite, há vários deles).
Em outros, é possível provocar personagens ou mesmo flertar com eles (incluindo o dono do hotel, Cornelius Gilman III).

Mas mesmo nos momentos mais tensos, é possível divertir-se, como ao gritar que “o 11 de Setembro foi um trabalho interno” (referindo-se à teoria da conspiração de que o atentado terrorista foi uma farsa) ou que “gosta de pizza de abacaxi”, como suas últimas palavras, antes de ser executado.

Ironia e sarcasmo andam de mãos dadas com o roteiro do jogo, uma curiosa relação entre o terror cósmico dos Mitos de Cthulhu e um humor negro bastante ácido.
É possível arrombar uma porta com mãos mutantes flácidas? Cornelius pode ir ao banheiro, se está sempre plantado na recepção do hotel?
Estas e outras perguntas são respondidas durante o jogo.
MÚLTIPLAS ROTAS, CAMINHOS SECRETOS
O formato livro-jogo beneficia os diferentes caminhos que o jogo possui.
Decisões de qual local visitar podem levar a diferentes desdobramentos de outros destinos possíveis.

Você não conseguirá visitar todos os locais em apenas uma run, nem mesmo em duas.
Há diversas localidades que só serão acessíveis através de outras opções; como diz aquele ditado “Cada escolha, uma perda.”

O hotel, por exemplo, que parece um elemento central do roteiro, pode estar fechado e você sequer verá o seu quarto nesta ocasião.
De igual maneira, ao recusar o “relaxante passeio” oferecido pelo hotel, você não conhecerá uma série de turistas e o apático motorista, bem como o exótico método de rejuvenescimento.
SOBREVIVER ACIMA DE TUDO
Embora o plano inicial seja descobrir o paradeiro de Tabitha Marsh, você logo perceberá que sair vivo de Innsmouth é sua prioridade!

Os habitantes locais não parecem muito receptivos aos forasteiros, à exceção de Muriel Poopingplace (guia turística que fornece mapas e dicas de locais para visitar) e o dono do hotel, Cornelius Gilman III.
Ao investigar a cidade, mesmo nos negócios locais, como a lanchonete e a barbearia, sempre que pergunta sobre a menina desaparecida, os habitantes parecem nervosos e querendo mudar de assunto.

A Ordem Esotérica de Dagon, no entanto, não parece nada tímida ao tentar capturá-lo para sacrifício durante a noite.
Os destinos para tal variam de ser esfaqueado em sua cama de hotel a ser queimado em praça pública, entre outros.
ARTE INTERATIVA
O título é jogado diretamente através de um livro, onde a história se desenrola.
Nas páginas podemos ver a descrição de texto da cena, bem como as opções a serem escolhidas.

Os cenários desenhados em pequenos quadros na parte superior abrigam também os personagens, estes movimentando-se de maneira morosa, com seu aspecto “pisciano” (seja por orelhas semelhantes a barbatanas ou olhos com aspecto “morto”).
Há também alguns peixes com aspecto humanoide e, claro, os famosos tentáculos saindo do mar.

Embora as criaturas possuam aspecto grotesco, dada à natureza “lovecraftiana”, a arte do jogo é cartunesca, o que deixa tudo mais leve, combinando bem com o humor presente em todo o jogo.
Apesar de ser um jogo puramente baseado em leitura, o texto é dinâmico e nem um pouco cansativo (pedindo apenas um conhecimento intermediário do inglês).
A trilha sonora aclimata bem a aventura, com forte foco no uso do piano, com temas animados, o que facilita a aventura transcorrer sem a habitual monotonia que permeia visual novels (deixando claro que, apesar da estrutura muito semelhante, TIC não é um visual novel).
OBSCURA PLATINA
The Innsmouth Case não é um jogo particularmente desafiador no que concerne à platina, mas exige múltiplas runs; no mínimo 27, uma para cada final possível, embora você vá precisar de mais do que isto, experimentando caminhos e descobrindo desdobramentos (salvo se você for um trapaceiro jogador sem muito tempo e utilizar um guia para os finais).

Ao passo que os locais visitados aparecem como opção de capítulo a ser carregado após o primeiro final, o processo de obter todos os finais torna-se menos trabalhoso, possibilitando testar diferentes opções sem precisar rejogar o título desde o começo.
Há outros troféus, relacionados a ações específicas durante a jornada, mas por motivos de spoiler não os citarei aqui.
RESUMO DA ÓPERA:
The Innsmouth Case é um jogo de escolhas, baseado em texto, no formato dos antigos livros-jogos (aventuras solo).
O sombrio clima do livro “A Sombra de Innsmouth”, de H. P. Lovecraft, inspiração direta para o jogo, é amenizado por uma veia cômica, com bastante sarcasmo do personagem principal.

Embora o humor ácido esteja presente na maior parte do jogo e situações esdrúxulas sejam apresentadas com frequência, ainda há espaço para o terror propriamente dito, com situações que desafiam a sanidade do detetive e levam a mortes variadas.
Os 27 finais disponíveis estão dispostos em múltiplos caminhos, muitos dos quais “incompatíveis” entre si, pedindo que o jogador jogue várias vezes para explorar as diferentes opções e repercussões.

O formato livro-jogo é retratado literalmente, com a aventura ocorrendo diretamente nas páginas de um livro, sobre uma mesa à qual pode ser notado um dado de seis faces, acessório comum ao RPG de mesa.
Em alguns momentos, interações fora do livro ocorrem, como tentáculos verdes deslizando pela mesa.
A trilha sonora, com foco no uso do piano, possui alguns momentos diferentes, como a trilha sonora de um FPS arcade, o BOOM, um dentre os títulos que você pode jogar enquanto investiga o desaparecimento de Tabitha (as iniciais podem estar gravadas em algum recorde da máquina, não?).
Inventivo e irreverente, The Innsmouth Case faz graça com o universo de Cthulhu, sem perder os seus momentos de horror e insanidade.
Entre contar sobre seu veganismo a todos os habitantes possíveis da cidade ou dar um sermão para os colegas de ônibus sobre como os games superaram a indústria cinematográfica, TIC diverte com múltiplas rotas e finais, em partidas curtas e animadas.