Embora tenha começado com um jogo pouco conhecido no Nintendo 64 (Rocket Robots On Wheels), a produtora Sucker Punch ganhou fama com a série Sly Cooper, no PlayStation 2.
No PlayStation 3 ela aumentou sua notoriedade com a série Infamous, sendo então adquirida pela Sony.
No início de vida do PlayStation 4, lançou Infamous Second Son (terceiro título oficial da franquia) e sua expansão stand alone (First Light), ambos em 2014.
Desde então o estúdio (agora exclusivo da Sony) não lançava nenhum novo título.
Haviam rumores e especulações sobre o que seria a nova franquia na qual a SP trabalhava em segredo, mas em foi em 2017, na Paris Games Week, que o título foi finalmente revelado.

Distribuidora: Sony Interactive Entertainment
Produtora: Sucker Punch
Plataforma: PlayStation 4
Mídia: Física e Digital
Ano de Lançamento: 2020
As Invasões Mongóis no Japão
As forças do Império Mongol, sob o controle de Kublai Khan (neto de Genghis), engendraram duas invasões ao arquipélago japonês, em 1271 (período em que GOT se passa) e 1275.
Em 1271, com uma frota de aproximadamente 700 embarcações, compostas de 15.000 soldados entre mongóis e chineses e 8.000 coreanos, o exército capturou as ilhas de Tsushima e Iki, mas foram posteriormente derrotados na Batalha de Bun’ei, em parte pela insurgência e confusão causada entre os guerreiros coreanos e chineses (forçados a combater junto aos mongóis).
Ao retornarem para as praias, uma grande tempestade destruiu a maior parte da frota.
Em 1275 os mongóis retornaram às ilhas nipônicas, mas o Bakufu (governo do Xogunato) havia se preparado melhor, com fortificações em pontos estratégicos para as defesas.
A frota coreana tentou reconquistar Tsushima em 1281, desta vez sem sucesso. Coreanos e chineses tentaram novo movimento sobre Iki, avançando até Kyushu, mas foram derrotados em pequenos conflitos, conhecidos como Batalha de Koan.
Derrotados, recuaram em direção às praias de Kyushu, onde um tufão devastou a frota por dois dias. Tal vento foi então denominado Kamikaze (Vento Divino, frase que seria usada como mote dos pilotos suicidas na Segunda Guerra Mundial), reforçando a ideia de que o arquipélago japonês teria sido criado (e protegido) pelos deuses Izanagi e Izanami.
A Reinvenção de Um Estúdio
De uma forma geral, os estúdios da Sony estão se reinventando com novas franquias, destacando-se a Guerrilla que saiu de um já desgastado Killzone para Horizon Zero Dawn e a Insomniac que veio da Resistance, que nunca causou grande estardalhaço para Marvel’s Spider-Man (embora não seja um estúdio da Sony, esta foi sua principal casa).
Não foi diferente com a Sucker Punch. Infamous já fazia sucesso no PS3 e começou bem com Second Son no PS4, embora fosse um título de “lançamento” de console.
Mas desde então o estúdio estava sumido. Numa geração onde o custo e tempo de produção dos jogos reduziu em muito o número de títulos por estúdio, a SP esteve especialmente silenciosa.
Enquanto fã de cultura japonesa, com um conhecimento “moderado” do assunto, especialmente ao que cerne o período feudal, meu ceticismo estava alto em relação ao jogo.
Apesar dos trailers e vídeos de gameplay se mostrarem promissores, sempre que um estúdio/criador de conteúdo ocidental fala sobre o Japão, algo se perde: seja o entendimento sobre a cultura ou alguns estereótipos mal usados (e sim, eu percebo a ironia enquanto ocidental julgando tal fato).

Honra x Sobrevivência
O jogo inicia durante a invasão dos mongóis na praia de Tsushima.
Você controla Jin Sakai, sobrinho de Shimura, o jito de Tsushima (jito era o “governador” de um feudo, escolhido pelo Xogum).
Após a derrota na defesa contra os mongóis, Shimura é capturado e Jin é ferido gravemente, acordando dias depois com curativos no corpo.
Desorientado, esgueira-se por um vilarejo até encontrar Yuna, ladra de Yarikawa que o salvou da morte.
Decidido a resgatar o tio, Jin avança até o castelo Kaneda, mas é derrotado por Khotun Khan (neto de Gengis e cunhado de Kublai) e novamente dado como morto.
Yuna passa então a espalhar o boato de que Jin é o Fantasma de Tsushima, um espírito de samurai que busca vingança contra os mongóis.
Sakai assume a alcunha do Fantasma e, diante do número excessivo e agressividade dos invasores, passa a empregar táticas ladinas (stealth), o que contradiz o código do Bushido no qual foi criado.
Agora Jin precisa recrutar aliados para partir novamente em busca do resgate do tio e para expulsar definitivamente os mongóis da ilha.

Um Samurai Em Transformação
O combate/ação do jogo se desenvolve em dois estilos: o samurai e o Fantasma.
Ao adotar táticas “menos honrosas”, o Fantasma assume um perfil mais voltado ao ninja que ao samurai.
Um dos pontos fortes do jogo, o combate é bastante dinâmico e equilibrado.
Abordagem contra múltiplos inimigos requer atenção aos indicadores e movimentação dos adversários, domínio sobre as quatro posturas de combate (3 delas desbloqueáveis através de upgrades) e uma boa adaptabilidade às ferramentas e armas de Jin.
Embora não exageradamente difícil, o game over pode ser constante (especialmente no começo do jogo).
Não chega a ser um Souls, mas há um bom desafio aqui.
Na abordagem do guerreiro, ao se aproximar de um grupo de inimigos, é possível iniciar um Confronto, desafiando eles para o combate. Neste momento, Jin se posiciona para saque rápido da espada (iaijutsu) segurando-se triângulo; ao avanço do inimigo, solta-se o botão para uma execução rápida (com upgrades é possível executar até três inimigos subsequentes). Mas atenção: com frequência os adversários tentam confundí-lo, simulando avanços falsos para tirá-lo do ritmo. É importante prestar atenção ao vento e ao movimento de pernas do inimigo.

O jogo não possui lock-on, ou seja, não é possível travar a mira em determinado adversário. Embora possa parecer desorientador ao primeiro momento, a falta de lock-on ajuda a manter a fluidez do combate, uma vez que Jin, ao desembainhar a espada, pode ser direcionado com o analógico para qualquer inimigo no campo de visão.
Já nos Duelos, o combate funciona dentro de uma “arena”, fixando-se o alvo.
Aqui, o uso de defesa e parry (brilho azul) se faz mais importante, bem como saber esquivar ou rolar dos ataques não defensáveis (brilho vermelho).
O uso de outras armas e artefatos, como flechas, kunais, bombas atordoantes ou explosivas fica vetado.

Ao se utilizar o stealth, o arco e flecha é um dos grandes aliados. É possível também esfaquear oponentes distraídos para um abate rápido ou mesmo executar mortes em cadeia, matando vários inimigos próximos em sequência.
Avançando mais no jogo, fica disponível a zarabatana com dardos venenosos ou de frenesi (faz um inimigo enlouquecer e atacar os outros).
Para ludibriar os inimigos, sinos podem ser arremessados; já em meio ao combate, seja para poder executar inimigos ou fugir, uma bomba de fumaça pode ser usada.
A entrada discreta nas casas pode se dar por pequenas portinholas nas paredes ou rastejar por baixo do piso. Também existem as entradas aéreas, pelo forro.
As tendas mongóis são de mais fácil acesso, tendo simples panos cobrindo as entradas, pode-se entrar por vãos entre o chão e a “parede”. É por meio de falhas nas cercas que se invade os acampamentos mongóis.
As portas de shoji (aquele papel amarelado fino) nas casas japonesas possibilitam o abate com a katana.
A Terra Pura
Aspecto importante no jogo, a exploração se dá de forma bastante orgânica em GOT.
Ao se marcar uma missão ou um ponto no mapa para o avanço, o vento indica a direção a ser seguida. Desta forma, o jogo não possui um minimapa presente na tela, tampouco setas ou outros indicadores não naturais.
O mundo dá pequenas dicas de pontos de interesse próximos, seja por um pássaro amarelo voando em uma direção, partículas destoantes do cenário ou mesmo uma pequena raposa correndo (no folclore japonês, a raposa é dotada de sabedoria e astúcia, podendo pregar peças em desaviados nas florestas).

Há muito para ser explorado: templos e altares para prestar homenagem, duelos, acampamentos mongóis, localidades tomadas pelos invasores, pilares de honra (fornecem um novo visual para as espadas), desafios de bambu (cortar uma série de bambus em um só golpe aumenta a determinação do personagem), locais para compor haikus (poemas de três estrofes típicos do Japão, concedem uma bandana ao final), águas termais (aumentam a vida do personagem).
Ao se percorrer o mundo, muitas vezes encontramos pequenos grupos de cinco mongóis. Alguns possuem prisioneiros: ao se matar todos e libertar o prisioneiro, ele pode revelar a localização de um acampamento, um local tomado pelos invasores ou mesmo uma nova missão.
A navegação se dá, em grande parte, a cavalo (você escolhe o nome e o tipo dele no início do jogo), mas há também a corda com gancho, que ajuda em escaladas. Qualquer ponto de interesse do mapa já visitado se torna uma viagem rápida, com um loading praticamente inexistente.
Contos
O jogo possui uma estrutura de contos, divididos em três: Contos de Jin são as missões principais; Contos Míticos são missões para aprender habilidades especiais e Contos de Tsushima são as sidequests simples e também as sidequests de aliados (estas últimas em uma série de missões).
Cada missão possui uma apresentação e um encerramento, como se fossem episódios em um seriado.

Customização e Equipamento
Jin possui um vasto arsenal à sua disposição: katana e tanto, arco curto e arco longo, kunais, bombas de fumaça e bombas aderentes, óleo para incendiar a lâmina, dentre outros.
Diferentes conjuntos de armaduras, chapéus e máscaras destacam-se também, sendo possível alterar seus padrões de cores, com a coleta de flores.
Além das vestimentas, amuletos geram diferentes bônus para o personagem, como menor visibilidade, aumento na porcentagem de ataque ou nos disparos com flecha, por exemplo.
Estes amuletos são obtidos ao se honrar templos e altares, além de finalizar contos.
A Vida de Tsushima
Nem só de mongóis vive o arsenal de inimigos de Tsushima; bandoleiros japoneses também espreitam as estradas. Os mongóis também possuem cães ferozes e águias (estas não atacam Jin, mas podem alertar sobre inimigos abatidos).
Os inimigos humanos possuem quatro padrões, correspondentes a quatro técnicas para combatê-los com maior eficácia: espadachins, inimigos com escudo, lanceiros e inimigos altos. Arqueiros não necessitam de uma estratégia específica, sendo necessário apenas mantê-los à curta distância e defender os disparos, para evitar dano e evitar perder a sequência de abates (que afetará a postura Fantasma*, explicação a seguir); ao avançar no jogo, alguns adversários passam a usar fogo, seja em suas espadas ou nas flechas, bem como em “lança-chamas” (foguetes adaptados em lanças que disparam rajadas de fogo).
Existem ainda javalis, que podem ser caçados para aumentar a quantidade de itens arremessáveis e cervos, que são sagrados nas terras de Tsushima e não devem ser caçados (mas nada o impede de alvejá-los, embora isso não implique em nenhuma vantagem).
* A postura Fantasma aparece mais para frente no jogo: ao se abater sete inimigos sem receber dano (ou massacrar um comandante), é possível ativar a postura temporariamente. Nela, o jogo fica em tom monocromático, trovões ribombam ao longe e os adversários perdem o ímpeto de ataque, sendo facilmente abatidos (após três execuções o efeito passa).

A Importância de Uma Boa Adaptação
Como disse no início, percebe-se que a Sucker Punch entendeu muito bem o espírito do Japão Feudal e dos filmes de samurai.
Além da dublagem japonesa estar disponível nas versões ocidentais do jogo (mesmo sem a sincronia labial, acredite, é esta a dublagem que você quer!), o jogo possui o Modo Kurosawa: inspirado no lendário diretor Akira Kurosawa, o jogo fica em preto e branco e o som do vento é ampliado, bem como o áudio fica com aspecto mais mono, como se fosse um filme antigo.
Este cuidado está presente em muitos outros pequenos detalhes, como Jin estender a mão para tocar a grama alta, ser possível limpar a espada ao embainhar após o combate, os padrões de sangue dependendo do tipo de golpe aplicado, etc…

Imersão Acima de Tudo
Graficamente, GOT é um jogo belíssimo, com muito colorido e uma arte que faz uma boa mescla entre fotorrealismo e mais cartunesca.
Há vegetação em abundância nas paisagens, é possível seguir o rastro de NPC’s durante fases de investigação guiando-se pelas pegadas na lama, as roupas de Jin se sujam ao rolar na lama ou ter sangue esguichado sobre ela.
Os loadings são extremamente rápidos, mesmo após mortes ou troca de área.
A trilha sonora é composta por temas clássicos japoneses, interpretados em flauta shakuhachi, shamisen e biwa.
Mescla-se bem ao desenrolar dos acontecimentos, sendo bastante dramática e épica.
RESUMO DA ÓPERA:
Ghost of Tsushima é uma obra de arte da geração, além de uma carta de amor ao Japão e aos filmes de Kurosawa.
Um título que mostra a evolução de um estúdio e que é possível entender outra cultura quando se pesquisa nas fontes corretas.
É também um excelente título para encerrar uma geração de grandes exclusivos.
PONTOS POSITIVOS:
– Ambientação incrível
– Loadings rápidos em um mundo aberto vivo
– Combate preciso e técnico
– Trilha sonora impecável
PONTOS NEGATIVOS:
– O sincronismo labial não foi pensado para o japonês
– Alguns problemas de gramática na localização brasileira