
* Esta análise foi feita com o código cedido pela CE-ASIA (versão PS4)
Distribuidora: CE-ASIA
Produtora: Azure Flame Studio
Plataforma: PlayStation 4 / Xbox One / Switch / PC
Mídia: Digital
Ano de Lançamento: 2020 (2018 na China, originalmente)
Napoleão Bonaparte e a Revolução Francesa
Nascido na Córsega, em 1769, Napoleão era filho de pais da nobreza italiana; é um dos generais mais famosos da História, tendo conquistado boa parte da Europa.
Formou-se na École Militaire (Escola Militar de Paris) em 1785, então com 16 anos e tornou-se segundo tenente de artilharia na comuna francesa de La Fère, serviu em Valence e Auxonne, até o início da Revolução Francesa, em 1789.
Durante os primeiros anos da Revolução lutou na Córsega na luta entre realistas, revolucionários e nacionalistas corsos. Apoiou os jacobinos (do Clube Jacobino, grupo político de Robespierre durante a Revolução Francesa) e foi promovido a capitão em 1792.

Ainda em 1792, Bonaparte publica Le Souper de Beaucaire (A Ceia em Beaucaire, panfleto pró-republicano) e chama a atenção de Augustin, irmão do revolucionário Maximilien Robespierre.
Napoleão seria então alçado ao status de comandante da artilharia no cerco de Toulon, onde sua vitória sobre as tropas britânicas lhe garantiria mais status e futuramente o comando da artilharia do exército francês na Itália.
A Revolução Francesa foi idealizada pelo mote “Liberté, Égalité, Fraternité” (Liberdade, Igualdade e Fraternidade) e pelo crescimento do pensamento Iluminista.
O Iluminismo foi um movimento baseado na razão como autoridade máxima, pregando um desligamento entre Religião e Estado, bem como a disseminação do conhecimento (através da Encyclopédie, a primeira enciclopédia, encabeçada por Denis Diderot e Jean le Rond d’Alembert, além de outros 150 cientistas e filósofos).
O descontentamento com palacianos vivendo na opulência de festas suntuosas contrastando com o povo miserável, que morria de fome nas ruas, incitaram uma série de conflitos internos violentos no país, que culminariam na decapitação de boa parte da monarquia.
Robespierre assumiu o poder junto dos Jacobinos, estabelecendo o Reino do Terror, de 1793 a 1794, período em que cerca de 40 mil pessoas foram executadas, ao final do qual o próprio Maximilien Robespierre seria guilhotinado.

Finda a RF, Napoleão subiria ao poder, iniciando uma série de guerras expansionistas, conhecidas popularmente como Guerras Napoleônicas (e nas quais não adentrarei, pois isto ainda é uma análise de jogo e não uma aula de história).
Dentre as suas contribuições para a História enquanto governante/ditador, Napoleão Bonaparte afugentou a Família Real Portuguesa para o Brasil (o que acarretaria no futuro processo de Independência do Brasil; vendeu a Luisiana (então território francês) para os Estados Unidos; institui o Código Napoleônico (um código civil que previa casamento civil separado do religioso, respeito à propriedade privada, direito e igualdade de todos perante a lei) que está em vigor até os dias de hoje, com pequenas alterações; e o código penal que vigorou de 1809 até 1994.
A sua campanha de expansão pelo Egito, na qual levou uma série de estudiosos e cientistas, resultaria na descoberta da Pedra de Roseta. Tal artefato continha inscrições em hieróglifo, demótico* e grego, através do qual foi possível decifrar os hieróglifos (Jean-François Champollion foi o responsável mais aceito), língua simbólica do Antigo Egito, cujo entendimento havia sido perdido no passado.
* O demótico aqui refere à uma antiga forma de escrita egípcia, posterior ao hieróglifo.

Napoleão foi derrotado por uma coligação europeia na Batalha das Nações e exilado na ilha de Elba, em 1814, mas em 1815 ele escapa da ilha e é recebido pelo exército francês.
Volta ao poder, no que seria o Governo dos Cem Dias, mas novamente uma coligação europeia inicia uma luta contra a França e Bonaparte sofre sua última e derradeira derrota, em Waterloo, na Bélgica.
Exilado em Santa Helena (na costa da África), Napoleão viveria brevemente no exílio até o fim de seus dias.
A Irmã do Comandante e a Santa Guerreira
Banner Of The Maid é um RPG tático passado em uma versão alternativa da Revolução Francesa.
Você controla Pauline Bonaparte, irmã de Napoleão, inicialmente ainda sob o comando do rei Luis XVI.
Formada na École Militaire, ela é convocada para ajudar o irmão nas batalhas do que viria a ser o início da Revolução Francesa.

As “Maids” são mulheres com supostos poderes em batalha, capazes de virar a maré a favor de seu exército. Neste contexto, Pauline porta a Auriflama, o estandarte que Joanna D’arc carregava nas batalhas (daí o nome Banner Of The Maid, sacou?).
Os reis franceses costumavam usar um estandarte com simbologia religiosa durante as batalhas, sendo a bandeira original o estandarte de São Martinho, mas Luís VI a substituiu pela Auriflama, bandeira da abadia de St. Denis.Quando a Auriflama era hasteada, nenhum prisioneiro deveria ser preso antes de ser abatido, uma estratégia para intimidar os nobres adversários.

Algumas lendas giram em torno da origem da Auriflama: a faixa de seda vermelha teria sido banhada pelo sangue do decapitado São Dinis de Paris, um bispo que foi morto em 258 d.C.
Canonizado por supostamente ter caminhado até a igreja ainda com a cabeça decapitada, é o padroeiro de Paris e da França, tendo sido martirizado pelo Império Romano, sob o comando do então imperador Públio Licínio Valeriano.
A bandeira teria sido levada por Carlos Magno para a Terra Santa por conta de uma profecia sobre um cavaleiro que possuía uma lança dourada, que projetava chamas que expulsavam os sarracenos, ou seja, originalmente a lança era o objeto sagrado, mas com o tempo passou a ser a bandeira.
Esta simbologia do estandarte guiando os exércitos seria posteriormente representada no quadro “A Liberdade Guiando O Povo”, de Eugène Delacroix.
(Já deu pra perceber o contexto histórico riquíssimo em que o jogo está inserido, então eu vou me conter nas explicações referentes)
Voltando ao assunto, Pauline carrega a Auriflama, capaz de conceder bônus para todas as tropas em momentos de desespero.

As Estratégias dos Bonaparte
O jogo possui um combate tático clássico, com movimento em oito direções. Cada personagem pode carregar um equipamento (armadura, acessório ou item) que lhe concede algum bônus, além de três itens, sendo uma ou duas armas e um item aleatório. Pode ser equipado um item de cura ou munição especial; pode optar-se pelo uso de dois itens ou duas armas.

Diferente dos demais jogos do estilo, no entanto, cada unidade é um comandante de um esquadrão: artilheiros, atiradores, cavaleiros. Existem unidades com habilidades específicas de suporte, como músicos, que podem curar outra unidade ou elevar a moral da tropa.
A moral é um ponto importante pois, uma vez preenchida a barra, é possível executar um Ataque Heroico, causando mais dano e aumentando os bônus passivos.

Alguns cavaleiros possuem a habilidade de Carga, ou seja, quanto mais terreno cobrem antes de chegar ao alvo e executar o ataque no mesmo turno, mais forte é o golpe.
O terreno é parte importante da estratégia: chuva gera lama, que dificulta a movimentação das tropas, bem como pode apagar o fogo que impedia a passagem por algum trecho do mapa; campos com alta grama podem aumentar a Esquiva ao ser atacado e melhoram a acurácia do ataque.
Múltiplas Facções
Através de Josefina de Beauharnais (que seria a primeira esposa de Napoleão), Pauline tem contato com diferentes facções, cada qual com itens específicos para compra e sidequests que as desbloqueiam conforme a afinidade com as mesmas aumenta.
Clube dos Feuilants (ou Amigos da Constituição), são os defensores do Rei Luís XVI, principal integrante: Gilbert du Montier, o Conde de La Fayette

Clube dos Jacobinos, são os opositores da monarquia, principais integrantes: Napoleão Bonaparte e Maximilien Robespierre.
Fornecem: espadas e mosquetes

Realistas (localizados do Palácio das Tulherias), a monarquia francesa, principais integrantes: Rei Luis XVI e Rainha Maria Antonieta
Fornecem: medalhas para batalhões (servem para promoções de tropas) e “adornos” (concedem bônus específicos, como mais armadura, mais esquiva, etc.)

Malmaisons (localizado no café de mesmo nome), a rede de informações de Pauline, responsável pelo contato com as outras facções, principal integrante: Josefina de Beauharnais
Fornecem: missões secundárias, visualização da relação com cada facção e galeria de imagem dos personagens, além de conquistas do exército

Cidadãos Parisienses (“localizados” em uma loja), o povo em si, miserável e revoltoso perante a monarquia, principal representante: Laure (discípula do químico Lavoisier)
Fornecem: itens consumíveis

Além das cinco facções, é possível visitar:
Caserna, local militar responsável pelo planejamento das batalhas, onde se pode equipar itens e armas nos personagens, promover batalhões e administrar habilidades.

École Militaire (a Escola Militar parisiense), onde se aprendem novas habilidades com o uso de dinheiro e recomendações (pontuação pelas vitórias); Julie é a responsável por este treinamento, sendo ela também uma das Maids.

Gabinete, onde se aprendem novas músicas e é possível acessar algumas sidequests específicas de personalidades históricas mais antigas; Honoré Gabriel Riqueti, o Conde de Mirabeau é o responsável pelas sidequests
Uma Revolução em Forma de Anime
A arte do jogo possui forte influência do estilo mangá/anime, sendo a indumentária dos personagens bastante realista ao que se conhece da época.
Os personagens históricos mais importantes (especialmente os homens), possuem feições mais semelhantes às pinturas de suas contrapartes reais, com destaque para Napoleão e Robespierre; as mulheres tendem a ser mais estilizadas. A talentosíssima Jiu Jiang Zi é a responsável pelos desenhos.
Na batalha, os personagens possuem o visual chibi, possuindo uma animação fluida e bonita, com pouco serrilhado. Os uniformes são bastante coloridos e pomposos (traço característico da época), facilitando a identificação entre os exércitos.
Os cenários possuem bastante variação, com castelos, florestas, portos com navios, etc. A verticalidade influencia nos combates, modificando bônus e dano por altitude de terreno, bem como influência de fatores do clima, como lama e mato, por exemplo.

Ao se entrar em combate, os batalhões aparecem em formação, recebendo ordens do comandante. Como as lutas do período tendiam a ser mais cadenciadas pelo tipo de armamento, as formações executando as ações por turno funcionam muito bem no contexto, com soldados preparando mosquetes e disparando em uníssono ou uma carga de cavalaria executada com sincronia.
Os ataques heróicos, incluem uma curta animação do comandante em destaque dando a ordem.
O roteiro é contado através de um visual novel, com bastante conversas escritas e algumas poucas frases faladas em chinês (mandarim?). Isto causa uma certa estranheza ao primeiro momento, mas com o tempo você acostuma a jogar um RPG falado em mandarim, escrito em inglês sobre o povo francês. Durante o combate ordens de ataque faladas em mandarim soam mais naturais.
A trilha sonora aposta em temas clássicos referentes ao período histórico.
Destaque para a Marselhesa (hino francês) sendo tocada na tela de vitória!

Escolha A Sua Patente Militar
O jogo possui três modos de dificuldade:
Story – Easy, para quem só quer acompanhar a trama e busca pouco desafio;
Officer – Normal, o jogador pode salvar a qualquer momento da batalha e inicia o jogo com um pouco de recursos reputação; não há punições pela retirada de uma unidade;
General – Hard, apenas um save por batalha, começa o jogo sem recursos e reputação; há punições pelas unidades que se retiram da batalha.
Como em BOTM a unidade representa um batalhão, ao ser derrotada, a unidade apenas recua, uma vez que o comandante não morreu, ou seja, o jogo não possui permadeath, o que faz sentido no contexto dos batalhões e “facilita” a vida do jogador.
Subindo no Hierarquia Militar
Como todo RPG que se preze, subir de nível é parte integral da experiência.
Aqui, ao contrário de muitos jogos do estilo, o grinding não é exatamente uma possibilidade: as sidequests são importantes no quesito, dando uma pequena ajuda, mas não é possível refazê-las, ou mesmo as missões principais.
Portanto, a estratégia de posicionamento no mapa e abordagem dos inimigos se torna MUITO importante.
Afora a subida de nível tradicional ao se derrotar inimigos e vencer batalhas com os personagens, é possível comprar livros que ajudam a acelerar o processo.
Ao atingir-se o nível 15 com um personagem, sua unidade pode ser promovida.
As promoções estão listadas desde o começo para cada unidade e consistem em evoluções naturais na mesma categoria, como upgrade de arma e ataque. Para que seja promovido um batalhão, além do dinheiro envolvido e do nível 15 do comandante da unidade, é necessário uma medalha referente à classe.

Além disto, algumas unidades possuem habilidades extras, ativadas via menu.
Pauline pode incentivar as tropas, Paulette (a artilheira) pode escolher andar uma vez mais no turno, ao invés de atacar. Já os personagens de suporte podem usar música para curar, aumentar a moral de um batalhão ou mesmo permitir um turno extra para um personagem.
Por fim, o relacionamento com as facções, a cada upgrade, desbloqueia mais itens para serem comprados. Este relacionamento melhora ao se vencer batalhas de interesse da facção em questão (seja por missões principais ou sidequests) e através de respostas corretas durante os diálogos de Pauline.
RESUMO DA ÓPERA:
Banner Of The Maid é um ótimo RPG tático, com boas referências históricas e uma arte primorosa.
Percebe-se o carinho que o estúdio teve com a obra, mesmo com uma versão ficcional dos eventos, há muito embasamento histórico em pequenos detalhes como as facções e suas atitudes perante a situação política, os “extras” como as páginas do diário de Joana D’arc e os segredos do estudioso (uma referência a Champollion).
BOTM é não apenas um dos melhores jogos do ano (considerando sua publicação em 2020 no Ocidente), como figura entre os melhores RPG’s táticos, ao lado de Fire Emblem e Ogre Battle.
PONTOS POSITIVOS:
– bom embasamento e referência históricos
– arte belíssima, com bom traço e personagens carismáticos, misturando o estilo anime com um visual mais acurado aos personagens reais
– sistema de combate simples e funcional, com uma mecânica viciante
– alto desafio e bem balanceado (cada vitória é conseguida no limite da derrota iminente)
– eu aprendi mais sobre Revolução Francesa jogando (e lendo para o texto) do que na escola
PONTOS NEGATIVOS:
– roteiro contado no estilo visual novel, sem cutscenes ou CG’s
– dublagem escassa, com poucas falas em chinês (o que causa um certo estranhamento inicial)
Um comentário sobre “Review / Tutorial: Banner Of The Maid”