
* Esta análise foi feita com o código cedido pela Team17 (versão PS4/PS5)
Distribuidora: Team17
Produtora: The Game Kitchen
Plataforma: PS4 / PS5 / Xbox One / Xbox Series X / Xbox Series S / Switch / PC / Linux / macOS
Mídia: Física e Digital
Ano de Lançamento: 2019
Blasphemous é um metroidvania Souls com influência da cultura cristã e espanhola.
O Sofrimento Cristão Em Uma Realidade Paralela
Blasphemous foi desenvolvido pelo estúdio espanhol The Game Kitchen.
Não é mera coincidência o país de origem do estúdio: a Espanha é um país com forte cultura católica, entremeada por traços muçulmanos.

A invasão muçulmana da Península Ibérica duraria de 711 até 726, com a derrota de Rodrigo (Roderick), o último rei visigodo da então Hispânia.
Os muçulmanos então estabeleceram-se na região e só seriam definitivamente derrotados e expulsos em 1492, por Fernando II de Aragão (e V de Castela e Leão) e Isabel I de Castela, os denominados Fernando, O Católico e Isabel, A Católica.
A retomada de poder pelo casal daria início à terrível Inquisição Espanhola, comandada por Tomás de Torquemada, o Grande Inquisidor.
É sabido que a Santa Inquisição foi especialmente cruel na Espanha, tendo sido usada como investigação e punição contra os conversos, judeus e “mouros” (muçulmanos) convertidos ao catolicismo.

Torquemada, o “Martelo dos Hereges” era fanático pela Igreja Católica, tendo sido responsável por cerca de 2.200 execuções, além de inúmeras torturas.
É justamente este aspecto sádico e sombrio da fé cristã que melhor ilustra a realidade paralela de Blasphemous.
Dor e sofrimento definem o mundo de santos torturados, criaturas disformes, mártires distorcidos e um sentimento de contrição e autocomiseração.

A espada do Penitente é chamada Mea Culpa (minha culpa, o ato de reconhecimento da própria culpa na confissão perante Deus), é representada por um homem com os membros envoltos em uma estaca, assemelhando-se vagamente à imagem de Cristo crucificado.
Já a Culpa em si é a punição pelas mortes do personagem, ficando acumulada numa “lápide espiritual” (fragmento de culpa) até ser recuperada. Diferentemente de outros jogos do estilo Souls, aqui a experiência não é perdida ao se morrer, mas sim a barra de Fervor é reduzida.
Algumas estátuas podem ser acessadas para a expiação da Culpa, recuperando o tamanho original da barra de Fervor.

A Senhora dos Seis Sofrimentos é responsável pelos upgrades de vida, sendo representada por uma santa com o peito nu, com seis espadas cravadas.
Ossos de santos são os coletáveis do jogo, representando as relíquias que o Cristianismo usava para atrair fiéis na Idade Média.
Partes do corpo atribuídas a santos começaram a se multiplicar pela Europa quando os monastérios e abadias perceberam que era uma forma lucrativa de atrair visitantes e conseguir doações.
Combate e Devoção
A arma principal do Penitente, como citada anteriormente, é a Mea Culpa.
A cada novo santuário de Mea Culpa encontrado, um novo nível é desbloqueado, contendo um ou dois novos ataques especiais, passíveis de compra com Lágrimas de Expiação, a “moeda” corrente do reino de Cvstodia.

As Lágrimas também servem para comprar itens de Candelaria, a vendedora nômade do reino, que enaltece os seus itens para compra comparando-os à primeira estrela do anoitecer.

O combate básico consiste nos ataques de espada, um deslizar que serve como recuo ou para avançar por debaixo de ataques altos e o parry.
Ferramenta mais importante do combate, o parry possui tempo único para cada tipo de inimigo. Um parry preciso pode atordoar o inimigo, que pisca em vermelho e fica passível de um golpe executor especial.
Alguns inimigos usam ataques carregados e não podem receber parry, sendo o atordoamento causado por outros ataques, como a estocada.

O Penitente carrega um Rosário de Contas onde perks podem ser equipados para cada conta disponível. Contas extras podem ser compradas e/ou coletadas e são habilitadas por um Fantasma Aprisionado, na Irmandade do Sofrimento Silencioso.
Orações são as magias do jogo, geralmente ataques em área, grandes consumidores de Fervor (a mana do jogo).
Já as Relíquias são as habilidades passivas do jogo, como sobreviver a grandes quedas, enxergar os segredos do jogo, transformar névoa vermelha em pequenas plataformas, etc.
Há inúmeros itens, entre consumíveis e itens de missão, além de itens que podem ser doados ou sacrificados para personagens em troca de alguma revelação ou favor, em alguns revelando lutas contra chefes secretos.
A História de Cvstodia
Através do reino de Cvstodia manifesta-se uma força sobrenatural chamada O Milagre, que age de maneiras misteriosas, abençoando ou amaldiçoando os habitantes do reino. Os amaldiçoados renascem como criaturas monstruosas (os inimigos do jogo), personificando seus pecados.

O Penitente, protagonista do título, é o único sobrevivente da Irmandade do Sofrimento Silencioso, cujos membros selaram um pacto de silêncio. Ele usa um elmo que combina uma coroa de espinhos e um capirote*, tendo seu rosto completamente coberto.
*O capirote é um capuz pontudo usado por irmandades religiosas espanholas, como Nazarenos e Fariseus durante a Páscoa e a Semana Santa.

Os membros da Irmandade do Sofrimento Silencioso opuseram-se ao Sagrado Escribar, a autoridade máxima da Igreja de Cvstodia, que renasceu pel’O Milagre como o Último Filho do Milagre.

Após a ressurreição do Penitente pelo Milagre, ele encontra Deogracias, narrador e testemunha d’O Milagre, que o avisa sobre o Berço da Aflição, artefato sagrado que o Penitente precisa encontrar em sua jornada e as Três Humilhações que ele precisa executar para ser digno do artefato.
Em paralelo, Escribar narra sua história durante o jogo: ele foi transformado pel’O Milagre em uma enorme árvore, no passado, mas a árvore sofreu um incêndio, tornando-se uma enorme pilha de cinzas, sobre as quais pairava o trono de Escribar.
O Milagre fez com que milhares de pessoas tentassem escalar tal montanha, mas todas falharam, engolidas pelas cinzas.
Como punição, O Milagre transformou todas em monstros e o Escribar no Último Filho do Milagre.
Agora o Penitente precisa alcançar a Mãe das Mães, catedral do Último Filho e derrotá-lo, para consumir todos os Pecados.
A Tortuosa Peregrinação do Penitente
O Penitente absorve os Pecados com a Mea Culpa e utiliza as Lágrimas de Expiação obtidas no combate para fortalecer sua arma.
Através de locais como a cidade de Albero, lar dos Beijadores de Ferimentos, os gelados Picos Fúnebres, o Convento da Nossa Senhora da Face Chamuscada e diversos outros, o Penitente enfrenta uma miríade de criaturas nefastas, transformadas pelo Milagre em encarnações de seus próprios pecados.

Coroinhas cadavéricos, bispos mumificados em tronos de ouro, mulheres nuas carregando pilares de pedra, monstros saltadores sem face, espíritos amaldiçoados, freiras carregando incensórios com diversos braços tentando escapar… a criatividade para os inimigos é ilimitada.

Os chefes são grandes criaturas deformadas, como um bebê com os olhos vendados e sangrando, com uma coroa de espinhos e carregado por uma figura sem face, com uma cauda semelhante a um escorpião, passando por Nossa Senhora da Face Chamuscada, um rosto em decomposição, há um belo misto de figuras escabrosas, incluindo alguns inimigos de tamanho normal.
A Beleza no Sofrimento
A arte de Blasphemous é visceral, mas não por isto menos elegante, com inspiração em pinturas, mesclando a blasfêmia e os temas sacros, em cores não tão vivas.

O gráfico parece desenhado à mão, com uma bela fluidez de movimentos, apesar do gráfico pixelado.
As animações também são precisas, tornando o combate dinâmico e rápido.
A trilha sonora tem forte inspiração na música espanhola, com destaque para o tema no violão, com um estilo mais “mouro”.
As Outras Faces de Cvstodia
O jogo possui até então duas dlc’s, ambas gratuitas através das atualizações. O estúdio dá bastante suporte ao jogo.
The Stir Of Dawn (A Agitação Do Amanhecer) adiciona o New Game +, com Penitências diferentes, causando modificadores no Penitente, novos chefes e a dublagem completa em espanhol.

Strife And Ruin (Contendo e Ruína) é uma colaboração com Bloodstained Ritual Of The Night, trazendo desafios de tempo e a participação da protagonista Miriam, além de fases em 8-bit.
O Penitente da Platina
Platinar Blasphemous não é tarefa fácil: além de fazer todos os diferentes upgrades de cura, vida e fervor e comprar todos os itens Candelaria (nas diferentes localidades em que ela se encontrar), coletar todos os 44 ossos de santos e libertar os 38 Filhos do Luar (os Querubins aprisionados), é também necessário derrotar todos os chefes, incluindo os secretos e fazer os dois finais.
RESUMO DA ÓPERA:
Blasphemous é um excelente metroidvania/Souls, com desafio alto e arte espetacular.
O universo criado em Cvstodia é riquíssimo em detalhes e o lore é bastante detalhado. Embora haja brechas para interpretação, o roteiro nunca fica vago (sensação comum a muitos Souls).
A trilha sonora também merece destaque, com bom uso do estilo Flamenco nas composições de Carlos Viola, alternado com temas mais soturnos.
A atmosfera de sofrimento e penitência faz ótimos paralelos com a fé cristã, através de analogias e licenças poéticas, numa criação baseada (mas não copiada) do catolicismo.
O lore riquíssimo e o contínuo suporte do estúdio, com dlc’s gratuitas encerram com chave de ouro esta experiência única.
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