Busca Pela Perfeição


Quem cresceu nos anos 80/90 deve se lembrar de quão ruim era a qualidade da televisão.
O sinal analógico era afetado por interferências, produzindo imagem inconstante, com os famosos “fantasmas” e “chuviscos”.

Era necessário algum tempo para sintonizar corretamente o canal e conseguir a imagem com a melhor qualidade possível (ainda que insatisfatória na maioria dos casos).
Uma árdua luta de seus dois a cinco minutos, ao final da qual, com muita sorte, a imagem estaria ao menos estável e poderia ser assistida.
Claro, se você ou outro membro da família resolvesse mudar de canal, a luta precisaria ser novamente recomeçada.

Ajustar o sinal analógico da TV era uma luta diária


Meu pai sempre foi aficionado por obter a melhor imagem possível, então imagine a luta que era para poder assistirmos televisão em casa.
Ele ficava até quinze minutos tentando a sintonia perfeita na nossa antiga Telefunken de 12 canais.
Muitas vezes, quando ele conseguia a imagem perfeita, os comerciais já tinham começado ou até mesmo o programa acabara.

Essa busca incessante pela perfeição, no entanto, não é exclusiva da qualidade de imagem da TV (ou da obsessão do meu pai), ela é inerente a todos os aspectos do ser humano.
Tentamos sempre obter aquilo que há de melhor em qualquer experiência, mas precisamos adequar nossas expectativas à realidade.

Narciso, na Mitologia Grega, apaixona-se pela própria aparência, incapaz de ver beleza nos outros


Se você busca o seu parceiro ideal em um relacionamento (seja mulher ou homem), é necessário que você esteja disposto a abrir exceções para alguns defeitos, pois todos nós os possuímos.
Correr atrás da pessoa perfeita é um ideal inatingível, todo ser humano é, em essência, “quebrado” e imperfeito, incluindo você.

Se só o perfeito lhe agrada, acabará sintonizando a TV por sua vida inteira, sem nunca conseguir assistir os programas.
E se isto é uma verdade para relacionamentos e tantas outras questões, por que seria diferente nos jogos?

Red Dead Redemption 2, jogo considerado nota 97 nos consoles


Vivemos em uma era dominada pela comparação de notas.
Assim que um jogo é lançado, as pessoas correm desesperadas para ver os reviews e esperam, ao menos, uma nota verde no Metacritic, ou seja, ao menos 75 de 100.
Abaixo disto, cancelamentos de pre-orders e xingamentos no twitter surgem, além de memes.

Só que estes 75 não são suficientes para a maioria dos jogadores.
Não senhor!

Precisamos de uma nota acima de 90 ou nem daremos atenção ao seu jogo!

Embarque no trem do hype enquanto é tempo!


O problema desta busca pela perfeição, é que no processo, boas ideias são ignoradas.
Jogos divertidos, mas que não atingiram o 90
, são deixados de lado e muitas vezes substituídos por jogos com nota quase máxima, mas que possuem graves defeitos ou mundos vazios.

Porque jogos com gráficos incríveis ou franquias e marcas “protegidas” por uma “elite gamer” têm seu espaço garantido no topo.
Bugs tornam-se engraçados nos jogos da Rockstar, bugs estes mesmos que, em um jogo da Ubisoft, seriam motivo para reclamações por semanas, ou até meses.

E é claro, os fanboys estão preparados para cada lançamento.
Eles vão elevar as notas de sua empresa favorita e destruir as notas da concorrente.
Quando exclusivos da Sony ou Microsoft são lançados, há legiões de soldados esperando para duelar, caçando glitches para postar como o gráfico real do jogo ou imagens maquiadas e até trailers de anúncio para enaltecer o poderio de seu console.

Cyberpunk 2077: só sairia quando estivesse pronto…


A luta pela perfeição e pelo pódio ignora uma massa de outros jogos, ideias divertidas, inovações de gameplay ou tramas profundas, que não receberam tanto polimento e amargam o esquecimento.

Porque a atualidade dos jogadores, influenciados pela internet e sites especializados, é contar pixels e analisar cada textura possível, esquecendo outros aspectos dos jogos lançados.
O trem do hype é tudo que interessa, você precisa subir nele o quanto antes.
Como já dizia, ainda 400 a 300 anos a.C., o filósofo Aristóteles: “A perfeição é o meio-termo entre dois vícios: um por excesso e o outro por falta.”

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