
* Esta análise foi feita com o código cedido pela Thunderful Games (versão PS5)
Distribuidora: Thunderful Games / Mixtvision
Produtora: Monokel
Plataforma: PS5 / Xbox Series S / Xbox Series X / PC
Mídia: Digital
Ano de Lançamento: 2021

White Shadows é um jogo de plataforma e puzzle em preto-e-branco, focado em uma distopia entre animais, com inspiração na obra de George Orwell.
GEORGE ORWELL
Eric Arthur Blair, mais conhecido pelo pseudônimo George Orwell, nasceu em Motihari, Índia (então colônia inglesa), em 1903.
Levado pela mãe para a Inglaterra com apenas um ano de idade, Blair teve uma infância sem grandes posses, tendo estudado brevemente francês com Aldous Huxley (autor de Admirável Mundo Novo).

Suas notas na escola não encorajaram os pais a mandá-lo para a universidade e ele decidiu trabalhar para a Polícia Imperial Indiana, na Birmânia (atual Mianmar), por possuir parentes lá, incluindo sua avó.
Neste período teve contato com prisões e contraiu dengue, quando então retornou mais cedo para a Inglaterra.

Decidido a tornar-se escritor, demitiu-se da polícia e passou a explorar favelas inglesas e dormir em abrigos, experiência que contribuiria para algumas de suas obras e ensaios.
Mudando-se para Paris, escreveu para jornais, mas adoeceu gravemente em 1929; roubado na pensão onde estava hospedado, teve de lavar pratos para viver.
Juntou-se ao POUM (Partido Operário de Unificação Marxista), lutando contra Francisco Franco na Guerra Civil Espanhola.
Apesar de sua vertente marxista, foi ferrenho crítico do stalinismo.
A REVOLUÇÃO DOS BICHOS E 1984
Suas duas principais obras (que parecem possuir forte influência em White Shadows), falam contra o totalitarismo em diferentes polos.
Em A Revolução dos Bichos (Animal Farm, 1945), acompanhamos a história de uma revolução animal na fazenda, liderada por três porcos: Major (inspirado em Marx e Lênin, logo falece), Napoleão (Stálin) e Bola-de-Neve (Trótski).
Após liderarem os animais da fazenda para expulsar os humanos, Napoleão e Bola-de-Neve assumem o poder, criando uma sociedade utópica.

Napoleão apodera-se das ideias de Bola-de-Neve (que passa a ser considerado traidor), tornando-se o líder absoluto da Revolução.
Mesmo com a piora das condições de trabalho dos animais, Napoleão destaca que a sociedade ideal foi atingida em seu governo.
Os porcos passam a viver na casa dos humanos e negociar os produtos da fazendo com eles, além de modificarem parte de seus mandamentos, incluindo a máxima: “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros.”
Já em 1984, acompanhamos a jornada de Winston, que vive no continente-estado da Oceania, em constante guerra com a Eurásia e a Lestásia.
Trabalhando para o Partido no Ministério da Verdade, responsável pelo revisionismo histórico, reeditando notícias de jornais e livros.

O Partido, liderado pelo Grande Irmão (nunca visto em público), vigia todos os seus cidadãos através das teletelas (espécies de televisores que podem tanto transmitir mensagens como ouvir os telespectadores).
Através do controle total da mente dos cidadãos pela novilíngua, o idioma reduzido que une palavras e muda seus significados e através da Polícia do Pensamento, que vigia mesmo o sono através da teletela, procurando criminosos do pensar (qualquer ideia de revolução ou liberdade é passível de punição).
Winston “acorda” de sua vida, percebendo o controle que o Partido exerce através do totalitarismo e da opressão de pensamento, condicionando pensamentos e atitudes da população.
RAVENGIRL
Você assume o papel de uma “menina-corvo” em um mundo opressivo e monocromático, controlado por Lobos.

Após uma pandemia, atribuída aos pássaros, a luz branca passou a ser a única alternativa de salvação, sendo aplicada aos corpos daqueles que podem pagar o preço.
A produção da luz, contudo, é obtida através do sacrifício de vidas em um processo automatizado.

AS ENGRENAGENS DA OPRESSÃO
Ravengirl precisa chegar até Tin Town, a cidade da suposta salvação, mas este caminho não será fácil.

O mundo de WS é como uma grande indústria, com maquinário pesado, metal, madeira e luz para todos os lados.
Porcos enfileirados em locais que lembram campos de concentração, garras selecionando ovos de aves, estruturas feitas para triturar animais em troca de energia.

A comparação com Limbo é quase inevitável, especialmente pela arte em preto e branco, mas também pelo estilo de plataforma.
Os cenários são feitos para matar Ravengirl ao menor descuido, seja pelas quedas de plataformas ou pelo possível esmagamento por grandes plataformas metálicas.

Os puzzles não são particularmente desafiadores, o que pode desanimar alguns, mas ajuda a manter a fluidez do jogo, sem grandes sessões onde você ficará travado.
Algumas soluções são mais óbvias, enquanto outras requerem navegar por áreas já visitadas.
O MESTRE MANDOU
Enquanto os porcos possuem pouca interação com Ravengirl, os filhotes de pássaro seguem-na prontamente.
Desta forma, ambos os tipos de animais servem aos seus propósitos de sobrevivência: o destino dos porcos não é totalmente revelado, dando a impressão de que eles são os “cidadãos comuns”, presos na monotonia de um mundo sem cores.
É possível misturar-se aos porcos para evitar ser localizado por luzes e câmeras.

Os pássaros, por sua vez, são claramente dispensáveis.
Responsabilizados pela doença que assola o mundo, as aves são utilizadas como combustível para as máquinas, sendo trituradas e esmagadas…

A PROPAGANDA É A ALMA DO NEGÓCIO
Os Lobos governam com um claro foco na propaganda, utilizando os porcos como garotos propaganda, seja para a obtenção da luz, como para vender bebidas.


“Todos os animais são iguais, com exceção dos pássaros.” pode ser lido em avisos espalhados pela cidade, uma clara alusão ao slogan dos porcos em A Revolução dos Bichos.

De igual forma, ao serem tratados como a razão do problema, é possível não apenas traçar uma comparação com Emmanuel Goldstein (a quem todos os problemas de Oceania são atribuídos, servindo como bode expiatório do Partido, em 1984), como um paralelo entre os pássaros e os judeus na Alemanha Nazista.


Camuflar-se entre amontoados de filhotes de pássaro, que serão eliminados com disparos de laser ou mesmo usá-los para gerar a energia necessária em alguns puzzles pode ser cruel, mas o aviso no começo do jogo não está lá para brincadeira.

REALIDADE NUA E CRUA
A parte gráfica de White Shadows é um de seus maiores destaques.
O uso de preto e branco para exemplificar uma sociedade não apenas monótona e sem vida, como também uma existência maniqueísta, livre de diversões.

Ou melhor, existe diversão, na Funworld TV, um animado programa onde a Ravengirl precisa sobreviver a uma série de desafios mortais, tudo pelo entretenimento do público.


Os cenários são repletos de maquinário metálico, “aero-trens”, baterias para a energia elétrica, câmeras vigiando com luzes e focos de laser para eliminar os “dissidentes”.

A trilha sonora é bastante dramática, utilizando música erudita, especialmente em partes de constante movimento, como longos deslizes por encostas ou a corrida sobre diferentes trens elétricos, tudo ao som de clássicos como Cavalgada das Valquírias ou O Voo do Besouro.

TROFÉUS P&B
A platina de White Shadows ainda é um mistério.
Enquanto a maioria dos troféus é relativamente fácil de ser obtida, incluindo alguns troféus mais desafiadores, como sobreviver à viagem no trem de uma única vez, outros troféus, como carregar um filhote sem abandoná-lo, pode não ser exatamente claro na sua exigência.

Durante o tempo de jogo para o review e a obtenção de imagens, o título estava com 0.0 de porcentagem na platina, ou seja, ninguém ainda havia conquistado.
Desta forma, a complexidade da platina ainda é nebulosa, até que jogadores consigam-na e surjam guias para tal.
RESUMO DA ÓPERA:
White Shadows é um interessante mergulho em um mundo distópico antropomorfizado.
Como uma fábula moderna, Ravengirl deve passar por uma série de desafios em um mundo cruel, que culpa sua raça por uma doença.


Plataforma competente, WS possui puzzles relativamente simples, mas que dão bom ritmo à aventura.
O gráfico com apenas duas cores exemplifica bem o dualismo da realidade controlada pelos Lobos.

O uso da música clássica integrada aos momentos de ação é brilhantemente executado.

A vaga narrativa permite interpretações, deixando detalhes da trama em aberto.
A sociedade totalitária criada pelo Monokel, estúdio estreando em seu primeiro jogo, é fascinante, seja pela sua brutalidade ou pelos seus paralelos com a nossa sociedade.
Há espaço para melhorias, é claro, mas é belo começo para um estúdio que mostra seus primeiros sinais de grandeza.
Me lembrou não sei porque de Limbo, vou lembrar de dar uma chance pra ele. Os reviews estão tão bons que chega a assustar heheh