
* Esta análise foi feita com o código cedido pela Wired Productions (PS4 e PS5)
Distribuidora: Wired Productions
Produtora: LKA
Plataforma: PS4 / PS5 / Xbox One / Xbox Series S / Xbox Series X / PC
Mídia: Física e Digital
Ano de Lançamento: 2022

Martha Is Dead é um jogo de terror psicológico em primeira pessoa, passado na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, onde acompanhamos a história de Giulia K., irmã gêmea de Martha.
ITÁLIA, 1944
Próximo ao fim da Segunda Guerra Mundial, a Itália de Mussolini, aliada da Alemanha de Hitler (e o Japão de Hirohito) está perdendo a força na guerra.
Grupos revolucionários e/ou comunistas lutam contra os soldados do fascismo e nazismo, ainda em caráter de resistência.

É neste contexto que Giulia, filha do comandante alemão Erich K., encontra sua irmã gêmea, Martha, morta em um lago próximo da propriedade da família.
Tomada pelo medo de uma mãe neurótica e “dependente” de Pervitin*, um remédio já proibido na Itália em 1944 (mas ao qual a matriarca, Irene, tinha acesso através do marido, um oficial alemão), Giulia assume o papel da irmã, Martha, a filha surda e a preferida de sua mãe.

* Usada pelos soldados nazistas por conceder ímpeto maior de combate, o Pervitin foi uma droga à base de metanfetamina distribuída oficialmente para as tropas de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. Devido ao seu potencial em viciar os usuários e alguns descontroles emocionais, o Pervitin foi proibido de ser comercializado para a população alemã, tendo uso exclusivo pelo exército.
A MULHER DE BRANCO
O jogo começa com a pequena Giulia pedindo para a babá lhe contar a história da Mulher de Branco antes de dormir (muito saudável, Giulia!).

O mito da Mulher de Branco perpassa o mundo ocidental, especialmente nos povos latinos e, etimologicamente, Itália (e também a França), integra os povos latinos, pois possui o latim em sua origem linguística (mas obviamente não se enquadra no conceito mais comum, onde os latinos são os povos originários da América Latina).

Existem diversas versões para a lenda, mas todas envolvem uma mulher que sofre por um amante, seja morrendo pelas mãos dele, sendo abandonada antes do casamento e cometendo suicídio ou matando o(s) filho(s) fruto(s) da relação afogado(s).
O que o espírito busca também varia entre as versões, sendo que a Chorona busca por crianças para substituir os filhos que matou (baseada na deusa asteca Cihuacóatl ou em la Malinche, a indígena amante de Fernando Cortez e intérprete, que lamentaria sua traição ao povo asteca) ou busca homens jovens para substituir o amante que a traiu e/ou abandonou.
No jogo, uma terceira variante, onde a Mulher de Branco busca moças para matá-las, impedindo que sofram o mesmo destino de traição.

Aqui, faz-se um paralelo entre A Mulher de Branco e Martha, encontrada por Giulia no rio; como tudo no jogo, no entanto, a possível correlação entre a gêmea morta e o espírito vingativo fica aberta à interpretação.
A GÊMEA INVERTIDA
Ao assumir a identidade de Martha, Giulia precisa se manter calada, para simular sua surdez.
A interação com pai e mãe, no entanto, é pequena: você se encontrará sozinha na maior parte do tempo.

A culpa pela troca de identidade, no entanto, faz com que Giulia tenha pesadelos envolvendo a Mulher de Branco e Martha, alguns deles bem gráficos.
Não apenas pesadelos, mas também visões da Mulher de Branco ao andar pelo bosque entre a propriedade da família e o lago.
Para piorar a situação, o corpo da irmã fica em caixão aberto, na sala de jantar, até que o velório seja realizado.
INVESTIGAÇÃO EM TEMPOS DE GUERRA
A família K. vive na Toscana, em uma área mais rural, em decorrência da guerra.
Erich, o patriarca, é um comandante alemão, o que coloca toda a família em uma situação complicada uma vez que grupos de resistência começam a se movimentar para derrubar o Fascismo.

Notícias do fronte podem ser ouvidas nos rádios da casa, sempre ligados à espera de notícias do confronto.
Martha tinha por hábito ler o jornal todas as manhãs, o que Giulia replica para manter sua identidade secreta.
Nos jornais é possível ler sobre a guerra, os impactos na distribuição de rações (que não afetam a família, pela relação com o exército) e o andamento das investigações sobre a morte de Giulia K. (na verdade Martha K.), mas fica evidente que as notícias são manipuladas para mostrar que o assassinato foi um atentado da resistência à família do comandante alemão.

Giulia resolve investigar a situação por conta própria, utilizando as câmeras fotográficas que podem ter registrado momentos importantes do caso. O hábito de tirar retratos foi herdado do pai, entusiasta da tecnologia, tendo uma câmara escura no andar inferior da casa. Giulia era a preferida do pai, enquanto Martha é a preferida da mãe; ao assumir o papel de Martha, Giulia passa a evitar o sofrimento dos maus tratos da mãe, que a culpava pela deficiência da irmã.


Tirar fotos em câmeras antigas é uma tarefa mais complexa, precisando de filmes específicos para diferentes efeitos de luz e/ou zoom, flash, lentes apropriadas para diferente situações e um tripé para aumentar a precisão.
Além disto, ao enquadrar o objeto para a foto, é preciso ajustar o foco, exposição e abertura da lente.



Você pode tirar quantas fotos quiser, do que quiser, não apenas as necessárias para resolver mistérios ou avançar a trama e pode armazená-las no álbum, se assim o desejar.
No entanto, cada foto precisa ser revelada na câmara escura, manipulando o negativo e enquadrando-o adequadamente ao papel para o corte. Feito isto, a foto é levada ao banho químico, que fixará a imagem ao papel, sendo necessário removê-la no momento certo para não se estrague.
Todo o processo é simplificado no jogo, mas durante o tutorial é explicado o processo completo necessário na vida real.
COMUNICAÇÃO
Há dois telefones na casa, de onde é possível comunicar-se com o médico da família, o cemitério, a prefeitura, entre outros, incluindo um contato de Lapo, personagem secundário com curiosa participação na trama, sendo sugerido que ele pode ser amante de Giulia.

Ao ligar para o número na carta de Lapo, você entra em contato com a resistência italiana, que requisita sua ajuda.
Cabe a você decidir ajudá-los ou não, uma vez que seu pai está ligado aos alemães.

Embora não fique claro a que grupo pertence a resistência, é possível que fosse a Brigada de Garibaldi, um grupo italiano que combateu a invasão nazista no país, bem como os próprios compatriotas aliados ao fascismo.
A Brigada de Garibaldi possui o nome inspirado no líder Giuseppe Garibaldi, o “Herói de Dois Mundos”, que lutou para a unificação italiana no Risorgimento, tendo feito parte dos Caçadores dos Alpes e liderado A Expedição dos Mil.
Sua alcunha vem do fato de ter participado também da tentativa de independência da então República Rio-Grandense, no sul do Brasil, durante a Revolução Farroupilha. Embora a revolta tenha fracassado, sua importância, bem como o legado de Garibaldi, gerou inclusive uma cidade com seu nome, no sul do país.
Garibaldi fica localizada na serra gaúcha, no estado do Rio Grande do Sul onde, veja você como o mundo dá voltas, nasceu e mora este que vos fala.
Mas voltemos ao jogo…

Através do telefone, Giulia é orientada pela resistência a manter contato através do telégrafo, que ela localiza nas imediações da propriedade.
Para tal, é necessário aprender o básico de código morse, para enviar curtas mensagens comunicando a conclusão de missões e interpretar as mensagens recebidas.
O aparelho conta com uma pequena quantidade de palavras-chave para o envio e recebimento de mensagens, ambos utilizando o sistema de ponto e traço, um puzzle muito interessante.
COLECIONÁVEIS
Um baralho de tarô permite Giulia fazer uma previsão do futuro por dia, embaralhando e escolhendo três cartas por vez, fazendo uma interpretação baseada no resultado.

O diário da personagem é atualizado diariamente com lembranças, memórias e relatos dos acontecimentos, bem como novas notícias chegam pelos jornais diariamente, além de relatos do fronte no rádio.

Fotos extras, que revelam charadas sobre a indicação do próximo local e fotos com aparições da Mulher de Branco também estão disponíveis, cabendo ao jogador localizá-las no cenário.
Há ainda o teatro de marionetes, que conta um pouco da história das irmãs em infância, mas este fica bloqueado até um capítulo mais avançado na trama.
A QUESTÃO DA CENSURA
A versão para os consoles da Sony sofreu censura em alguns conteúdos, embora a censura não tenha sido completa, ou seja, em partes realmente violentas, como por exemplo fazer uma autópsia com uma tesoura, o controle é tirado das mãos do jogador, a ação sendo apenas assistida.

Não é a solução ideal, mas é o que os desenvolvedores conseguiram para não tirar completamente o conteúdo e atender à solicitação da Sony.
O jogo possui conteúdo bastante gráfico na violência, mas de forma alguma é gratuito e sem propósito. O estúdio italiano LKA é novo e MID é seu segundo trabalho, mas eles sabem exatamente o que querem mostrar e como fazê-lo.
Um estúdio que trabalha temas pesados e sérios, com um foco na questão mental e que traz esse tom visceral na medida certa.

É claro, o caráter fotorrealista do gráfico pode causar um impacto mais sério em pessoas sensíveis, mas já vimos pior nos jogos, inclusive sem tanta necessidade (saudades agulha no olho em Dead Space).
Com exceção de referências a atos específicos na igreja, todo o resto foi mantido no jogo, apenas com o caráter da não execução direta da ação. Existe uma opção para censurar as cenas mais violentas e você pode ignorar cenas muito gráficas, ao simples apertar de um botão.
Mesmo assim, talvez uma terceira opção de censura, com o conteúdo na íntegra poderia existir no jogo, mas dependeria da aprovação da Sony (e possivelmente fosse algo mais complexo de ser feito na estrutura do jogo).
ATERRADORA ARTE
O gráfico de Martha Is Dead possui visual fotorrealista de alta qualidade, em especial nos objetos.
No início do jogo, minha mente demorou alguns segundos para se perceber que os objetos mostrados eram renderizados e não uma filmagem de objetos reais.

Esta qualidade acompanha o título e torna a violência mais palpável, motivo pelo qual há diversos avisos no começo e no fim do jogo sobre saúde mental e sobre o conteúdo sensível apresentado.


O jogo se passa na propriedade da família K. e arredores, contando com um extenso bosque ao seu redor, no qual construções abandonadas e túmulos clandestinos estão escondidos. O lago onde Martha é encontrada pode ser navegado com um pequeno barco a motor.
Também há uma igreja e um cemitério com a cripta da família; uma pequena capela está presente na propriedade da família, bem como um curral com alguns animais. É possível percorrer a propriedade e as estradas de terra de bicicleta, mas não o caminho do bosque.


A casa é ricamente adornada com pinturas e vários andares, incluindo ambientes para o pai e a para a mãe, além do quarto das irmãs, uma pequena adega e a câmara escura para revelação de fotos.
Todo este cenário, belamente retratado com o poder da Unreal Engine 5, no entanto, não vêm sem algumas restrições.

Em alguns pontos, o jogo apresenta congelamentos, aos quais resta o jogador reiniciar o aplicativo.
Curiosamente, o jogo apresenta uma opção de resolução alternativa da imagem, que não parece afetar negativamente o gráfico numa TV fullHD (meu caso), mas talvez apresente queda gráfica em aparelhos 4K.
De qualquer forma, esta opção me permitiu passar por estes momentos de congelamento e, assim que o problema estava resolvido, eu retornava à resolução máxima.
A trilha sonora utiliza música clássica e temas da época, em italiano, que podem ser ouvidos no rádio, entre as notícias da guerra.
O trabalho de dublagem está excelente, vindo por padrão setado para o italiano e não inglês, o que acrescenta bastante na imersão.
O jogo possui localização em legenda para o português brasileiro impecável, sem erros de grafia e aplicada diretamente em jornais e cartas, com o texto grafado diretamente no idioma da legenda, o que também é um detalhe bacana e aumenta a imersão do jogador.
PLATINANDO O HORROR
A platina de Martha Is Dead não deve apresentar grande desafio ao jogador.
Além dos troféus relacionados à trama, coletar todos os acessórios da câmera, tirar todas as fotos com charadas e todas as fotos da Mulher de Branco, ler todos os jornais, todas as páginas do diário e interpretar o futuro pelas cartas de Tarô todos os dias são alguns dos troféus extras.

Todas as interações para conseguir informações via telefone é o troféu mais trabalhoso do título, mas o jogo facilita o processo, permitindo carregar os capítulos através dos saves automáticos.
RESUMO DA ÓPERA:
Martha Is Dead é mais um brilhante trabalho dos italianos da LKA, um estúdio que já nos brindou com The Town Of Light (cuja análise você pode conferir aqui).
Ainda mais visceral do que o primeiro jogo, Martha Is Dead avança profundamente em temas delicados, incluindo a saúde mental. Há inclusive uma alusão ao Hospital Psiquiátrio de Volterra, onde o primeiro título se passa, sugerindo uma possível ligação entre os dois jogos.
O gráfico fotorrealista mostra o pesadelo vivido por Giulia durante a Segunda Guerra Mundial, filha de um comandante alemão e uma mãe neurótica, uma família abalada pela trágica morte da irmã gêmea Martha, à qual a protagonista troca de lugar.

Atormentada por visões da irmã e da Mulher de Branco, Giulia passa a confrontar uma dura realidade na propriedade da família, com situações que colocam sua sanidade em cheque.
A câmera fotográfica ajuda-lhe a decifrar parte do mistério, embora o jogo deixe a cargo do jogador interpretar alguns dos acontecimentos.
O uso da câmera, aliás, é um dos destaques do título, tendo não apenas diferentes opções para bater os retratos, como uma mecânica dedicada à revelação dos negativos.
O telégrafo também possui interessante participação, na qual o jogador aprende o básico do código morse para se comunicar com uma resistência aos nazistas e fascistas.

A jogabilidade possui bom uso do Dual Sense (no PS5), com os gatilhos adaptativos e o rumble respondendo a cada movimento e interação com objetos. As conversas ao telefone utilizam o alto falante do controle, um simples porém efetivo detalhe.
Um título imersivo e provocativo, Martha Is Dead traz importantes questões sobre saúde mental à tona, utilizando detalhes gráficos agressivos e fortes, que infelizmente foram em parte censurados nas versões PlayStation.
Alguns bugs e a censura imposta pela Sony, no entanto, não abalam o jogo, riquíssimo em detalhes e contexto histórico, com uma narrativa forte e bem escrita.
Não apenas um título recomendado, mas ESSENCIAL para qualquer fã de terror.