
* Esta análise foi feita com o código cedido pela Modus Games (versão PS5)
Distribuidora: Modus Games
Produtora: We Create Stuff
Plataforma: PS4 / PS5 / Xbox Series X / Xbox Series S / Switch / PC
Mídia: Digital e Física
Ano de Lançamento: 2021

In Sound Mind é um jogo de suspense/terror psicológico em primeira pessoa, onde um psiquiatra é transportado para uma estranha realidade, precisando confrontar o passado e os traumas de alguns de seus pacientes.
A SOMBRA DE JUNG
Carl Gustav Jung (Suíça, 1875-1961), foi um psiquiatra e psicoterapeuta, contemporâneo de Freud, conhecido pela criação da psicologia analítica.

Embora tenham trocado correspondências e até mesmo estabelecido uma forte amizade, as diferentes visões da mente afastariam ambos: Jung não conseguia aceitar que todos os traumas tivessem origem sexual e Freud não aceitava o interesse de Jung pelos fenômenos espirituais.

Bem, mas focando no que interessa para a análise do jogo, Jung desenvolveu o arquétipo da Sombra, uma força primária da psique humana (equivalente ao Id, de Freud).
A Sombra representa nossos desejos impulsivos e imorais, aqueles que a sociedade não tolera; quando “perdemos” o controle sobre nossas ações, pela leitura da psicologia analítica, estaríamos sendo dominados por nossa Sombra.
ACORDADO EM UM ESTRANHO “PESADELO”
Você controla Desmond Wales, um terapeuta que acorda em uma realidade “paralela”, em uma versão do prédio onde fica seu consultório.

Através de fitas cassete, com gravações das conversas com seus pacientes, você irá reviver seus traumas.
O jogo faz um trocadilho com o seu nome, uma vez que In Sound Mind faz referência às gravações sobre a psique, mas ao mesmo tempo, utiliza a expressão em inglês, que traduzida fica “em sã consciência”.

Cada caso de paciente leva Desmond à outra realidade, acessada através do gravador e de portas do prédio, que parecem ligadas a diferentes dimensões.
Uma vez dentro do local, você ouvirá parte das conversas realizadas durante as sessões de terapia, tendo contato com os traumas de cada indivíduo e precisará lidar com a sombra de cada um deles, ou seja, a personificação de seus problemas.
CONFLITOS DO PASSADO
Importante ressaltar, cada um destes casos acabou tragicamente.
Desmond Wales está lidando com pacientes cujos tratamentos falharam, então suas sombras revoltam-se contra o médico e cabe a você conseguir “curá-las”.

Como cada conflito é pessoal, os cenários refletem os traumas e temores de cada um dos pacientes.
Paralelamente, uma trama sobre estranhos acontecimentos na cidade começa a desenrolar-se de forma lenta, mas sua importância é grande, uma vez que ela faz a ponte de ligação para entender o porquê do terapeuta estar enfrentando tantos acontecimentos estranhos.

O jogo se passa em duas situações diferentes: o mundo “real”, a versão transformada de seu prédio, onde estranhos acontecimentos surgem constantemente e uma sombria figura parece guiá-lo para sua morte e a dimensão representada pelo trauma do paciente em específico.
CUIDADO COM AS SOMBRAS
A escuridão é um elemento perigoso, nunca gaste todas as pilhas da sua lanterna!
Se for engolfado pela escuridão completa, pode dar adeus à sua jornada!

Não apenas a escuridão total é sua inimiga, mas também uma toxina que pode ser vista saindo de barris. Caso entre em contato com ela, você lentamente vai começar a ter alucinações.
A toxina assemelha-se à cor “mutável” da gasolina, brilhando mesmo nos ambientes escuros.


Há também inimigos feito desta “substância”, com olhos brilhantes e que emitem fachos de luz colorida (que indicam o status de percepção sobre a sua presença).
Eles podem ser combatidos com a pistola, a shotgun, a pistola de sinalizador e o rádio transmissor).


A munição, no entanto, é escassa, tente não desperdiçá-la, pois as armas também servem para destruir barris e o sinalizador também possui função de destruir uma névoa negra, que pode envolvê-lo na escuridão.

O caco de vidro, que aparece já no primeiro caso, servindo para a luta contra o chefe, serve também para cortar fitas de isolamento e tábuas de madeira, além de quebrar grades de proteção em dutos de tubulação.


PUZZLES MENTAIS
O jogo envolve bastante backtracking, pedindo que o jogador preste atenção ao cenário, para lembrar-se de caminhos.

O uso de chaves e cartões de acesso é um dos “prêmios” por solucionar os puzzles do jogo, que possuem ótima variabilidade, incluindo de observar reflexos com o caco de vidro, indicar caminhos através de imagens a utilizar radiofrequência para abrir portas e desativar explosivos.

Você tem medo de manequins?
Um artifício comum aos jogos de terror, nunca me causaram nenhum susto significativo… até eu jogar In Sound Mind.
Os manequins servem tanto para ajuda (essa eu não posso explicar sem spoilers), solução de puzzles e mesmo efeitos cômicos.

Já o seu perseguidor, surge rapidamente em cantos, usando sobretudo e chapéu amarelos (ao melhor estilo Dick Tracy), também faz constantes ligações para você, através de telefones públicos, com mensagens de conteúdo bastante pesado, para dizer o mínimo: ameaças de morte, incitação à automutilação e suicídio, etc…

DIAGNÓSTICOS POST-MORTEM
Como citado anteriormente, cada fita gira em torno de um caso que o Dr. Desmond não conseguiu solucionar corretamente, levando à diferentes situações dos pacientes.
Cada mundo possui ligação com o distúrbio psicológico e algum local onde ele se manifestou, enquanto você lida com os sentimentos e a Sombra do paciente em questão.

Embora este seja justamente o ponto onde o jogo brilha, com uma trama muito bem escrita e desenvolvida, utilizando traumas da vida real (em contraponto ao estilo fantasioso do game), eu não posso adentrar muito no assunto, justamente pelos inevitáveis spoilers que isto acarretaria.

Mas apenas para exemplificar brevemente o primeiro caso, ele trata de uma paciente que possuía fobia social e problemas com sua aparência e envolve um mercado…
A forma como tudo se desenrola a partir daí é algo extraordinário, sendo que ao entender o problema de cada paciente (e, consequentemente, a ameaça e chefe final), você sente uma certa pena/remorso.

Concluídos, cada caso revela uma ficha do paciente, relatando os distúrbios que ele possuía, bem como o incidente que se refletiu em sua Sombra, levando Desmond à esta realidade paralela.
RORSCHARCH
” – O que você vê nesta mancha?”
” – Eu vejo um jogo de terror colorido, que utiliza personagens caricatos para tratar de assuntos sérios de uma forma mais leve.”

O gráfico de ISM possui um curioso estilo “amigável”, por assim dizer, com personagens mais cartunizados, em contraponto à seriedade da trama.
Mesmo as ameaças do seu perseguidor, apesar de cruéis, revelam um traço humorístico (de uma forma distorcida passivo-agressiva). Os próprios manequins, que causam alguns sustos, provocam também riso no jogador, por algumas interações absurdas.

O jogo brinca com estas cores e o estilo artístico de uma natureza mais leve, trazendo um terror muito mais psicológico do que amedrontador, embora crie um excelente clima de tensão, focando o stealth em vários trechos.

O trabalho de som do jogo também merece destaque, seja pelo som ambiente ou pela excelente dublagem em inglês.
A trilha sonora é composta pelo músico Yoav Landau (da banda The Living Tombstone), com performances vocais Hayley Nelson, Sam Haft, Guy First, Matan Egozi, Helen Laser e Mick Lauer, com temas variando entre o rock e o eletrônico, especialmente destacadas durante momentos chaves e lutas contra chefes.
PLATINANDO DISTÚRBIOS
A platina de ISM não é particularmente difícil, embora envolva múltiplas visitas aos casos, para que você consiga coletar todos os itens.


As 72 pílulas (que servem para upgrades do personagem: velocidade, vida, furtividade e vigor) provavelmente são os troféus que darão maior trabalho.
O resto fica por conta de finalizar cada uma das fitas, adquirir os itens (como a máscara de gás) e as armas e coletar todos os discos de vinil, além de outros troféus específicos por capítulos que evitarei por possíveis spoilers.

RESUMO DA ÓPERA:
In Sound Mind é uma incrível experiência pela mente humana e seus problemas.
O clima de terror e o mistério que envolvem os pacientes de Desmond Walles estão diretamente amarrados à trama paralela que explica o porquê do terapeuta estar nesta “realidade paralela”.

O gráfico mais “ameno” para um jogo de terror, com um inesperado uso de cores, uma excelente dublagem e uma ótima trilha sonora abrilhantam ainda mais uma trama muito interessante e complexa.

Os distúrbios de cada paciente, explicados ao final de cada fita, e o modo como seus traumas e anseios são representados, carregados de subtexto e imagens figurativas, mostram o carinho e a pesquisa que o estúdio We Create Stuff teve com sua obra.

In Sound Mind é não apenas um jogo de terror soberbo, como uma peça de mídia importante para nos fazer refletir sobre o intricado puzzle que se esconde na mente de cada indivíduo.