Review / Tutorial de Hermitage Strange Case Files

* Esta análise foi feita com o código cedido pela Giiku Games (versão PS4/PS5)

Distribuidora: Giiku Games
Produtora: Arrowiz
Plataforma:  PS4 / PS5 /Xbox One / Xbox One S / Xbox One X / Switch / PC
Mídia: Digital
Ano de Lançamento: 2018 (China) / 2021

Hermitage Strange Case Files é um visual novel de investigação/terror sobre Hermitage, uma livraria que atrai clientes peculiares, envoltos em incidentes sobrenaturais.

A SOLIDÃO DOS LIVROS

Embora você controle o solitário gerente da livraria Hermitage na maior parte do tempo, não se engane, o protagonista da história é o próprio estabelecimento.

Os mais variados livros estão nas estantes da livraria Hermitage, incluindo os Mitos de Cthulhu

Hermitage é uma loja com livros raros e obscuros, atraindo os mais variados (e estranhos) clientes, sempre ligados a sinistros incidentes de ordem sobrenatural.

O gerente, “eremita” por natureza e um ávido fumante, faz as vezes de investigador dos clientes, sondando o interesse dos mesmos pelos livros disponíveis na loja.

INVESTIGAÇÃO “HOME OFFICE”

O gerente da livraria raramente deixa o seu posto, no máximo circulando em torno do prédio (com exceção do último caso).
Desta forma, a investigação, pela parte do gerente, se dá sempre na própria livraria, seja lendo os livros que o misterioso entregador leva, sempre estranhamente relacionados aos casos ou pesquisando em um fórum online.

As pistas obtidas são anotadas pelo Gerente

Ao conversar com as vítimas e outros investigadores (seja presencialmente ou através de mensagens no celular), ele reúne informações agrupadas em um bloco de notas, onde cabe ao jogador unir as três pistas que concluem cada parte da investigação.

Fumar ajuda o Gerente a pensar… e ele pensa bastante

Para pensar, ele fuma, refletindo as informações recebidas e teorias, o que também irá gerar pistas para o bloco de notas.

Enquanto o gerente fica apenas na loja, os “agentes de campo” fazem a parte da investigação nos locais, conversando com possíveis testemunhas, vítimas ou suspeitos.
Que fique claro: quando digo agentes de campo, não me refiro a investigadores pagos pelo gerente, todos são conhecidos/amigos dele ou pessoas interessadas na solução do caso.

Scarlet investigando a Escola Phoenix

Scarlet é uma advogada, velha conhecida do gerente, que possui conexões na cidade, ajudando a achar pistas e localidades através de seus contatos.

Justin em uma investigação local

Justin é um jovem detetive, discípulo do lendário detetive Leng, que utiliza suas habilidades de interpretação para conversar com locais, fazendo-se passar por profissional de outras áreas.

Neko, a mente genial por trás das investigações online

Neko é uma jovem hacker de 15 anos, também conhecida do Gerente, que passa a morar temporariamente em sua livraria/casa, utilizando tecnologia para rastrear pistas online ou mesmo indo a campo realizar algumas instalações elétricas.

Cecile introduz o impulsivo Zack

Zack e Dan surgem nos capítulos finais, sendo ambos os personagens de força bruta do jogo: Zack é um jovem com “sangue nos olhos”, enquanto Dan é um adulto mais compenetrado e robusto.

Dan entra para o grupo mais próximo ao final do jogo

Durante as conversas com os envolvidos nos casos, tanto o Gerente quanto os seus agentes de campo podem escolher entre algumas opções de diálogo para tentar extrair a informação correta.
De igual forma, em alguns momentos é possível observar mais atentamente o interlocutor, buscando indícios de alguma mentira ou comportamento estranho.
Ambas as situações são raras, mas acontecem eventualmente, dando uma pequena variedade ao andamento do jogo.

OS ESTRANHOS CASOS

Escrever sobre jogos baseados puramente em roteiro é sempre um desafio, pois um spoiler acidental pode estragar a experiência.
Por tal motivo, vou comentar brevemente sobre cada um dos casos, sem entrar em pormenores que revelariam demais.

A estudante clarividente:
Cecile, a jovem que passa a ter estranhas visões de acontecimentos após entrar em contato com um misterioso incenso, é o primeiro caso do jogo.
Membro do Clube de Arte da prestigiada Escola Phoenix, Cecile é vítima de bullying por parte das colegas do Clube.

Opções de diálogo podem sugerir novas pistas

O Distrito Kangning:
Um condomínio de baixa renda registra o terceiro assassinato misterioso, com o sangue drenado do corpo da vítima.
As três mortes parecem não possuir ligação: um mendigo, um encanador e uma corretora de imóveis.

O garoto problema:
Zack, um estudante conhecido de Cecile aparece sem memória, catatônico e com severos ferimentos de briga.
Seu caso parece relacionado a outros desaparecimentos, de vítimas que retornam dias depois, sem lembrar o que lhes aconteceu.

O caso dos siameses o plot twist mais bizarro do jogo inteiro

O caso dos Siameses:
O desaparecimento do gato de Scarlet leva o grupo à uma perigosa investigação sobre uma fábrica abandonada e um “circo não convencional”.

A Escola Tora:
Estranhos acontecimentos circundam a Escola Tora… tão misteriosos que seria spoiler comentar sobre eles aqui.

Estranho o suficiente pra você?

Lázaro:
Há um “sexto caso”, caso você tenha obtido as conclusões boas em todos os demais casos.
Aqui não há exatamente um caso convencional, com a coleta de provas, trata-se de um capítulo conclusivo.

UMA LOCALIZAÇÃO CONTURBADA

Hermitage foi escrito originalmente em chinês, lançado em 2018.
Sua localização para o ocidente deu-se apenas três anos depois, com alguns problemas.

O caso do time de futebol tailandês preso em uma caverna contextualiza o jogo no mundo real

A tradução para o inglês é bastante competente (ou ao menos assim me parece, já que o inglês não é minha língua primária).
No entanto, a estrutura de texto e diálogos se tornam confusos em determinados trechos.
Não há uma clara diferenciação entre pensamento e frases faladas, o que poderia ser sanado com orações entre parênteses ou colchetes; caixas de diálogo com diferentes formatos também poderiam ajudar na questão (o que acontece próximo ao final do jogo).

O jogo tem texto, MUITO TEXTO

Desta forma, em muitos momentos pensamento e diálogo do gerente parecem mesclar-se numa quimera de difícil compreensão.

EXPOSIÇÃO X COMPREENSÃO

O roteiro de HSCF é tanto seu trunfo quanto seu tendão de Aquiles.

Os casos são interessantes e possuem complexas tramas, misturando taoísmo, mitologia chinesa e Mitos de Cthulhu.
Algo que jamais vi antes, essa “leitura oriental” de Cthulhu é interessantíssima e um grande diferencial do título, explorando facetas incomuns mesmo para a obra de Lovecraft.

A junção de diferentes mitologias é um aspecto brilhante do título

Infelizmente o jogo sofre de uma verborragia latente.
Não é algo estranho ao estilo do jogo, mas mesmo para um visual novel, há um excesso de texto aqui.
Isto fica particularmente evidente no quinto caso, com horas de diálogo entre algumas provas.

O “Entregador” é tão misterioso quanto o Gerente

Como citado anteriormente, é possível que parte desta confusão seja da localização do chinês para o inglês.
Há algumas explicações longas e aparentemente exageradas (ou mesmo desnecessárias), o que pode ser tanto um estilo de escrita regional, quanto uma dificuldade em converter ideias mais complexas para o ocidente, sem conseguir resumir e complicar termos.

O Gerente nunca tem seu nome revelado na trama

Tais “problemas” não chegam a tirar a beleza do roteiro, mas o tornam mais cansativo do que o necessário.
Estamos falando aqui de até seis horas de leitura em apenas um caso (e o jogo conta com cinco).
Claro, é importante ressaltar aqui que está é a leitura de um não nativo do inglês, o que acaba aumentando o tempo de absorção do conteúdo.

SOBRIEDADE

Contrariando a maioria dos visual novels, que seguem uma temática com gráfico mais mangá, Hermitage possui traços mais sóbrios, com personagens menos caricatos.
Embora o gráfico ainda tenha um leve ar de mangá (ou manhua, já que o jogo é chinês), os personagens possuem características mais realistas em termos de aparência, com olhos de tamanho natural, o que contrasta com as situações de cunho sobrenatural.

Os personagens seguem um visual mais puxado para o graphic novel

Os cenários são bem desenhados e detalhados em 2D.
Boa parte do jogo se passa na livraria Hermitage, mas também no local onde cada caso acontece, como um grande condomínio, uma escola e uma fábrica abandonada.
Alguns efeitos 3D estão presentes, seja nos livros da estante da livraria ou durante a circulação pelos corredores do prédio do segundo caso, por exemplo, onde há o caminhar pelos corredores em primeira pessoa.

Uma passagem de tempo “diferenciada”…

A trilha sonora segue um estilo noir, na maior parte dos casos, com bastante uso de um calmo piano. Esta parte da trilha, embora possua o charme e estilo compatíveis com o gráfico e a natureza investigativa do jogo, pode ser um tanto quanto sonífera em alguns momentos (dada a grande quantidade de leitura).
Nos momentos de tensão, no entanto, a trilha sonora fica mais agitada. Momentos estes mais raros e geralmente próximo ao fim da conclusão do caso, quando os perigos surgem.

Análise corporal, uma das habilidades do Gerente

O jogo não conta com dublagem, dependendo exclusivamente da leitura.
Alguns sons adicionais ajudam na ambientação, incluindo alguns murmúrios ritualísticos.

PLATINA ASSOMBRADA

Hermitage não possui platina, contando apenas com 14 troféus para obter 100%.

Os troféus envolvem completar a primeira dedução, obter todas as “evidências” do jogo, concluir satisfatoriamente todos os casos (e um troféu por cada caso), conseguir todos os finais ruins nos casos.

A dedução é o caminho para resolver os casos

Ou seja, para obter os 100% você precisará de duas runs completas do jogo (ou múltiplos saves nos capítulos).

RESUMO DA ÓPERA:
Hermitage Strange Case Files faz uma interessante mistura entre folclore chinês e a obra de H. P. Lovecraft.

O jogo possui uma estética sóbria nos personagens e um clima noir bastante propício ao tema investigativo.
Enquanto personagens e cenários são bastante “mundanos”, o mesmo não se pode dizer dos casos, com plots macabros e sobrenaturais.

A quebra da quarta parede para deixar o Caso ainda mais Estranho

Não apenas os casos possuem mórbidas estranhezas, como o elenco possui curiosas peculiaridades, como o Gerente da Livraria, que não possui o nome citado em nenhum momento e tampouco deixa o local (bem, quase nunca), explicando o título homônimo entre jogo e livraria (Hermitage é o Eremitério, o local do eremita ou ermitão, um local de isolamento).

O roteiro do jogo, embora brilhante em muitos sentidos (seja na mescla de temas ou mesmo nas referências do mundo real e cultura pop), perde-se num emaranhado de longas explicações e se estende mais do que o necessário, inflando o tempo de duração do jogo.
As tramas e plot twists, que possuem um charme especial pela inusitada abordagem, acabam por diluir-se parcialmente em meio à torrente de palavras.

As conexões entre personagens e casos

A localização do chinês para o inglês é boa, considerando-se a quantidade massiva de texto, embora haja algumas inconsistências aqui e ali, como alguns erros de digitação ou expressões redundantes (he himself me vem à mente agora).

A arte cartunesca e ao mesmo tempo realista surpreende com personagens de proporções menos exageradas, o que contribui para o clima sério do jogo e o contraste com os eventos de ordem sobrenatural.

O jogo lida com diversos temas pesados e/ou perturbadores

No final das contas, Hermitage Strange Case Files faz bonito na abordagem de Cthulhu sob o prisma chinês, algo com o qual não estamos acostumados.
Esta visão diferenciada sempre traz curiosas reflexões e explora facetas que não imaginávamos, contribuindo muito para a riqueza do título e do assunto em geral.

Embora com alguns pequenos deslizes por parte da verborragia implícita, Hermitage é um belo título que explora diferentes ideias para o horror cósmico.
Os personagens carismáticos e os Estranhos Casos capturam a atenção do jogador e, claro, pedem um bom conhecimento de inglês para ser apreciado.

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