O Sincretismo Japonês E As Religiões Monoteístas

* Este texto contém interpretações sobre religiões orientais, de acordo com pesquisa feita pelo autor, não resultando em conclusões necessariamente corretas sobre as visões espirituais citadas.

Estereótipos existem por algum motivo.
Verdadeiros ou não, estereótipos baseiam-se em observações, preconceitos e/ou interpretações erradas de costumes ou aparências.

O cristianismo chegou ao Japão em 1549, mas foi banido em 1614, sendo permitido novamente apenas em 1873.
Visto inicialmente como uma vantagem pelos daimyos (senhores feudais) que se converteram à nova religião para melhorar o comércio com os portugueses, o cristianismo se tornaria um problema para japoneses cada vez mais preocupados com a influência ocidental no país.

O Japão estava sob o Xogunato Tokugawa quando, em 1614, a religião foi banida, mostrando os primeiros sinais de que uma nova era de reclusão do país aproximava-se.
Uma caça aos cristãos teve início, com eventos como A Revolta de Shimabara, onde Amakusa Shiro (sim, aquele do Samurai Shodown mesmo) aquartelado no castelo Hara, tentou defender os últimos momentos da religião cristã no país.

Embora a religião fosse oficialmente extinta por praticamente 4 séculos, uma amálgama entre Cristianismo, Budismo e Xintoísmo surgia nas sombras: Os Cristãos Escondidos.
Adeptos de uma vertente pouco conhecida no Ocidente, homens e mulheres mantiveram a fé cristã, mesclando-a com crenças locais.

Este é apenas um dos motivos do fascínio japonês pela mitologia judaico-cristã e de suas estranhas interpretações.
Você já se questionou por quê o personagem Mr. Satan possuía este nome em Dragon Ball Z? Ou mesmo por quê Gohan dirigia um carro com o número 666 em uma das aberturas?

Inúmeras referências ao cristianismo e judaísmo estão espalhadas pela cultura pop japonesa, não sendo diferente nos jogos.
Sephirot, o vilão de Final Fantasy VII é uma referência à cabala judaica. Bahamut, Leviathan, Ifrit e outros summons fazem referência às religiões judaico-cristãs (e também a algumas crenças árabes e persas).
O próprio jogo El Shaddai: Ascension of the Metatron, é uma estranha mistura de Antigo Testamento, Torá e o texto apócrifo de Enoque.

As duas “religiões” principais do Japão, Xintoísmo e Zen-Budismo (a variante japonesa), caracterizam-se por aspectos politeístas e, controversa e paralelamente, a inexistência e/ou falta de “importância” dos deuses, demonstrando-se mais como práticas espirituais no Japão do que exatamente como religiões, embora haja debates sobre o assunto, sendo caracterizadas como tal especialmente no Ocidente.

Esta visão “mais leve” de crenças e espiritualidade faz com que os japoneses encarem as religiões ocidentais com menos seriedade do que o resto dos países.
Não como forma de escárnio, mas como mitologias per se, sem o aspecto da realidade.

O resultado é uma curiosa interpretação, muitas vezes livre dos pudores do Ocidente, causando certos “anacronismos” que podem ser vistos como ofensivos por pessoas mais conservadoras.
Os japoneses (em considerável proporção) tendem a considerar-se sem religião, embora não necessariamente coloquem-se como ateus.

Tal visão de mundo e espiritualidade acaba chocando-se com os valores cristãos, gerando situações conflituosas entre pais e filhos ocidentais.
Portanto não estranhe quando vir Lúcifer ou Satanás como personagem jogável em algum JRPG ou vilões menos maniqueístas em animes.

2 comentários sobre “O Sincretismo Japonês E As Religiões Monoteístas

  1. Uma vez estava lendo o blog do Honne, o artista dos belíssimos backgrounds de Chrono Cross e cenários do Xenoblade. Tinha comentários e críticas para a cidade do interior onde nasceu e em um post falava da cultura de enterrar os mortos e como isso era totalmente contra os princípios do budismo e que vinha do sincretismo católico dessa época. Criticando os velhinhos que visitavam cemitérios. Interessante para ver como as culturas são bem diferentes. Poderia comentar mais implicações do comentário do texto mas ficaria gigante hehe. Legal dos produtos japoneses é que eles fazem um rodízio, as vezes puxa mais pro Xintoismo, budismo e até mesmo cristianismo. Sempre comentando os prós e contra. Diferente do ocidente onde o dualismo bem/mal é extremamente enraizado e a tendência é querer todo mundo numa nota só

    1. Sim, esses Cristãos Escondidos precisavam muitas vezes praticar o fumie, o ritual de pisar em crucifixos com a imagem de Cristo para provar que renegavam a fé ocidental e sobreviver.
      Alguns locais onde esse sincretismo é praticado são considerados patrimônio mundial pela UNESCO, especialmente na região de Nagazaki (Igreja de Oura, por exemplo), o castelo Hara (Minamishimabara, só o terreno, o castelo foi bombarbeado pelos holandeses) e a Vila Sakitsu (em Amakusa).
      Tem bastante coisa pra comentar, eu acabo removendo pra não deixar o texto gigante, mas um dia ainda pretendo escrever sobre o Amakusa Shiro, é um personagem histórico bem interessante (e aparece no Samurai X também).

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