A Jornada Do Herói


Joseph Campbell foi um professor universitário, escritor, conferencista e mitólogo americano, que dedicou sua vida a entender as diferentes mitologias e religiões do mundo e sua correlação.

Joseph Campbell durante seu período como professor universitário


Através de um longo estudo independente, Campbell sintetizou suas ideias no livro O Herói de Mil Faces, onde aponta símbolos e significados comuns a todas as histórias humanas.
Identificando os medos e esperanças comuns à raça humana, é possível perceber certos padrões onde diferentes mitologias, religiões e lendas se entrelaçam.

O mito de uma grande inundação mundial (ou dilúvio), o deus nascido de uma virgem e uma série de outros acontecimentos de ordem sobrenatural estão em diversas culturas diferentes, em povos que sequer coexistiram ou se conheceram.

Poseidon abre rios e mares para inundar a humanidade, a pedido de Zeus


Através desta compilação, Joseph Campbell conseguiu estabelecer A Jornada do Herói, uma série de acontecimentos que permeiam as aventuras de praticamente todos os protagonistas já criados pela humanidade.

Então, como um exercício, faremos um comparativo do Monomito com a história de Link, o Herói da série The Legend Of Zelda.
E como eu sou um grande fã de Ocarina Of Time (e contarei minha história com ele, algum dia), vamos utilizar o título como exemplo.


1 – O Mundo Comum:
O início da jornada mostra sempre a vida cotidiana do protagonista, colocando-o como um ser normal, gerando pontos de identificação com o público.

No início de Ocarina Of Time, vemos Link, um menino que não possui uma fada companheira, ao contrário de todos os demais no vilarejo.



2 – O Chamada À Aventura:
O protagonista depara-se com um desafio, que está relacionado à segurança do local onde vive, sua comunidade ou mesmo à própria vida.

A árvore Deku, protetora da floresta, envia a fada Navy para recrutar Link.
Desta forma, ele agora possui uma fada (falante demais, infelizmente) que o convence a ir até a árvore, que precisa de ajuda.
Neste processo, ele acaba adquirindo o seu equipamento (espada e escudo inicialmente).

A árvore Deku tinha uma cara de velho safado… não à toa Link recuou



3 – Recusa Do Chamado:
Diante de um desafio maior do que imaginava, o herói não se vê capaz de vencê-lo e tenta convencer-se de que não é o escolhido.

Ao chegar à árvore Deku, Link teme o que há em seu interior e tenta desistir, mas a árvore e a fada o convencem a continuar.
Link por fim adentra a árvore e derrota os perigos dentro dela, descobrindo que a árvore estava morrendo.


4 – Encontro Com O Mentor:
Agora o herói encontra-se com o mentor, uma figura que o fará continuar na jornada e lhe dará algum objeto (possivelmente mágico) para ajudá-lo.

Link infiltra-se no Castelo Hyrule e encontra a princesa Zelda pela primeira vez.
Zelda lhe fala sobre Ganondorf, um homem que aproximou-se do rei, mas pretende abrir a porta selada do castelo para obter um poder incrível, que pode acarretar o fim do mundo.
É também a princesa quem lhe entrega a Ocarina e revela que ele deve coletar três pedras espirituais para poder abrir a porta.

O primeiro encontro com Zelda (nessa versão, claro)



5 – A Travessia Do Primeiro Linear:
Munido de coragem e seu novo artefato, o herói está prestes a deixar para trás o mundo que conhecia e adentrar o desconhecido, seja ele um local físico, uma nova habilidade ou mesmo um segredo.

Link finalmente deixa a floresta Kokiri e parte ruma à sua jornada, pronto para desbravar cada pedaço de Hyrule.


6 – Provas, Aliados E Inimigos:
Agora que o herói deixou seu mundo antigo para trás, ele irá se deparar com desafios maiores, sejam obstáculos ou inimigos, que irão gradativamente testar suas habilidades e prepará-lo para os desafios ainda maiores que estão por vir.

Para conseguir as três pedras espirituais, Link entra em contato com três raças diferentes, que estão passando por problemas.
E, imagine só, o herói precisa ajudá-los para obter as pedras.
Ah, os video games…

Após ajudar os três povos (Goron, Zoron e Kokiri), Link forma fortes laços com os povos e seus guardiões.

Os 7 Sábios reunidos



7 – A Caverna Secreta:
Aqui o protagonista vê-se novamente diante de um grande desafio e volta a duvidar de si mesmo.

Ao se encaminhar para o templo com as três pedras espirituais, Link se depara com Ganondorf perseguindo uma Zelda em fuga e se vê incapaz de derrotá-lo.
Ele abre o templo e se depara com uma espada cravada no altar.
Ao removê-la, ele acredita ter crescido, mas na verdade deu um salto temporal de sete anos (período no qual seu corpo foi preservado no templo, pelos 7 Sábios).


8 – A Provação:
Para cumprir seu destino, o herói deve passar por uma provação de grande desafio, onde irá precisar de todo conhecimento e experiência obtidos durante sua jornada.
A provação funciona como uma transformação para o personagem, ou mesmo uma morte (simbólica ou não).

Link sai do Templo do Tempo e se depara com um reino destruído pelo poder de Ganondorf.
Ele deve reunir os 7 Amuletos do Tempo para ter acesso ao castelo de Ganondorf.
Aqui é onde se passa grande parte do jogo.
E é neste trecho que também se encaixa a luta com Ganondorf no castelo.

Se não dá pra pegar a triforce, expliquem essa, ateus!



9 – A Recompensa:
Após derrotar o vilão final, o herói por fim obtém sua recompensa, que pode ser um novo conhecimento ou habilidade, um prêmio ou qualquer coisa que represente a transformação após seus esforços.

Após uma intensa luta contra Ganondorf, Link acaba vitorioso.
Zelda é liberta de sua prisão no cristal onde estava e tudo parece acabado. Ou será que não?


10 – O Caminho De Volta:
O caminho de volta (para casa) é mais suave, sem tantos perigos e funciona como um momento reflexivo sobre a jornada.
Aqui a sensação de perigo é substituída pela vitória do herói e seu significado para o mundo onde vive.

(Então, aqui um parênteses, literalmente, pois nos jogos essa parte é muito direta ou até inexistente, ligando o passo 9 ao 11; em Ocarina eu vou forçar um pouco a barra para encaixar na narrativa)
Link e Zelda descem a torre do castelo, que está desabando após a derrota de Ganondorf.
O tempo limite é de três minutos e há inimigos pelo caminho (ao qual recomenda-se evitar os combates, se possível).

Ganon, o famoso “Já Morreu” da franquia



11 – A Ressurreição:
Eis que o vilão ressurge, representando um último desafio mortal para o herói.
Aqui se concentra o ápice da jornada e o combate que definirá o destino do mundo em questão.
Mas a jornada, afinal de contas, é do herói, e este também “renasce”, ainda que simbolicamente.

Se há algo mais clichê do que o vilão retornar à vida, é o fato de que Ganon estará no fim de (quase) todo jogo da franquia Zelda.
Ganondorf levanta-se dos escombros do castelo e, com o resquício de poder que lhe restou, assume a forma de Ganon, jogando para longe a Master Sword de Link no processo (dependendo da sua aventura, você irá contar apenas com o Martelo aqui ou com a Biggoron’s Sword).


12 – O Retorno Com O Elixir:
Por fim, o herói retorna ao seu local de origem, tendo o reconhecimento dos seus iguais e o respeito de quem salvou o mundo da destruição.
Ele traz consigo um artefato, poder, ensinamento ou simplesmente a própria força, em suma, algo que garanta a paz e prosperidade do povo.

Zelda utilizou todas as suas forças para ajudar a derrotar Ganon, com a ajuda dos 7 Sábios, dando o poder necessário para que Link destruísse o inimigo.
Link tem uma última “conversa” (mais pra um monólogo) com Zelda no céu, mas ela lhe envia de volta, pois seu lugar era com o povo de Hyrule.
Enquanto os créditos sobem, vemos todos os personagens do jogo comemorando em volta de uma grande fogueira e os Sábios observando afastados.

Mas como Ocarina Of Time é um jogo sobre viagem no tempo, Link retorna para o Templo do Tempo, como criança, vira as costas para a Master Sword e caminha em direção à câmera.

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