
Distribuidora: Sony Interactive Entertainment
Produtora: Kojima Productions
Plataforma: PS4 (PC posteriormente)
Mídia: Física e Digital
Ano de Lançamento: 2019 (2020 para PC, ainda sem data definida)
Conhecido por seus jogos mirabolantes, roteiros megalomaníacos e campanhas de marketing envoltas em mistério e brincadeiras online, foi com pesar que o mundo dos games sentiu o fim abrupto da relação entre Hideo Kojima e a produtora Konami. A longa parceria foi responsável pelas franquias de sucesso Metal Gear e Zone Of The Enders além de P.T., o famoso “Playable Teaser”, demo que propagandeava um futuro reboot de Silent Hill, estrelando o ator Norman Reedus.
Envolta em polêmicas, a Konami retirava-se do mercado tradicional dos games, para se dedicar quase exclusivamente ao mercado japonês de pachinko (máquinas de jogos de azar japonesas), restando apenas a franquia anual de futebol Pro Evolution Soccer e alguns ports de menor escala.
Tal decisão acarretou na demissão de Hideo Kojima, bem como no fim do projeto Silent Hills.A Fox Engine, motor gráfico desenvolvido por Kojima e sua equipe para Metal Gear Solid V (Ground Zeroes e The Phantom Pain) ficou de posse da empresa, relegado à franquia PES.
Parecia o fim do diretor no mercado de games, mas em parceria com a Sony, ele retorna de maneira triunfal na conferência da E3 de 2016, para mostrar seu novo projeto.
É o primeiro vislumbre do novo jogo pela imprensa e pelos jogadores, uma visão tanto magnífica quanto nebulosa.Os projetos de Hideo costumam ser misteriosos, mas a exacerbação aqui é notória: Norman Reedus aparece nu em uma praia, com uma algema brilhante em um dos braços e diversas marcas de mãos sobre o corpo. Carrega nos braços um bebê, que logo desaparece, dando lugar a manchas de mãos negras como petróleo (ou piche) que vagueiam por uma praia vulcânica, com diversos peixes e baleias mortos. Figuras negras flutuam ao longe, presas ao solo por cordões bruxuleantes, entremeadas pelo título: Death Stranding.
Aplausos confusos na plateia da E3, olhares perdidos. Comentaristas, jornalistas e jogares começam a se perguntar: seria a Konami responsável por manter Hideo Kojima “na linha”? Estaria a Sony apostando muito alto? Teria o Japão ido longe demais???
Devido à sua natureza, esta análise focará mais na experiência do jogo, nas mecânicas e controle.
Serão comentados alguns conceitos gerais do lore, mas sem focar em partes específicas do roteiro, portanto não se preocupe com spoilers.
No entanto, parte da graça do jogo é descobrir o que significa a experiência de Death Stranding por si só. Portanto, se você quer uma experiência pura, ou é muito sensível a spoilers, evite a leitura; mas se está curioso e quer entender o mínimo para decidir se joga ou não, pode ler sem medo, não haverá revelações sobre a trama em si.
Chegar cansado do trabalho e ligar o video game para trabalhar mais
Ok, ok, eu sei o que você está pensando: “Musashi, eu vi os trailers e não entendi do que o jogo se trata. É um simulador de carteiro? Você só anda e carrega caixas?”
Sim e não.Superficialmente, sim, é um jogo sobre caminhar e fazer entregas. Mas existe muito além disso.
DS é um jogo sobre conexões e sua importância. É um jogo sobre a morte da natureza, sobre o isolamento dos seres humanos e sobre espiritualidade.
DS é um jogo single player online, onde, apesar da solidão do protagonista, você constantemente se conecta a outros Sam’s executando a mesma tarefa.
Os caminhos são íngremes e tortuosos, a chuva desgasta os pacotes, o peso esgota o entregador e os BT’s tentam a todo momento te levar para a dimensão deles. Além de tudo isto, é preciso hidratar Sam e não esquecer de fazê-lo descansar nos quartos de algumas bases e manter BB (aquele bebê in vitro dos trailers) alegre, pois ele vai te ajudar a detectar os BT’s.

Um mundo que quer te consumir constantemente
Death Stranding é o nome do evento onde o mundo dos espíritos se uniu ao mundo dos vivos. A descoberta da Praia possibilitou esta união e levou a humanidade ao caos final.
BT’s são os espíritos que querem te arrastar para a outra dimensão. Com a ajuda do BB, é possível detectá-los na chuva, presos à nossa realidade por cordões umbilicais semelhantes ao cordão de prata (a ligação entre um corpo e sua alma segundo algumas crenças), mas não se engane, aqui os cordões umbilicais corrompidos estão conectados ao vazio. Os BT’s são um exército de espíritos, famintos por consumirem mais almas para aumentar a sua voraz legião de sombra e morte.
Ao entrar em uma região dominada por BT’s, um sensor conectado ao BB dispara, indicando a presença dos espectros. Nesse momento, Sam precisa ser discreto e fazer pouco barulho, prestando atenção à direção em que o sensor capta o ectoplasma. Lembre-se: caminhe devagar e abaixado, mas não esqueça da chuva corroendo as entregas!

Um senso de urgência se abate sobre o jogador. Ao se aproximar demais de um BT, será possível visualizá-lo e neste momento é preciso trancar a respiração. Isto aumentará o consumo da sua energia, que pode ser reposta bebendo Monster (sim, o energético mesmo), então escolha bem a sua rota. Palmas negras começarão a tatear a região próxima, tentando localizar o jogador; trancar a respiração desnorteia tais “mãos”.
Se uma das mãos te pegar, prepare-se: os espíritos tentarão te arrastar para o mar de petróleo da Praia. Corpos negros começam a subir por Sam e você precisa se desvencilhar e sair da área de risco. Ao fazer isto, provavelmente derrubará algumas das caixas, que precisam ser recoletadas e colocadas nas costas. Se não conseguir sair da área de risco a tempo, os BT’s irão te arrastar pelo mar negro, onde um golfinho gigante, preto e com tentáculos saindo da boca avançará em sua direção. BB entrará em pânico e será preciso acalmá-lo após a luta (o golfinho é apenas a criatura inicial destes ataques).
É possível combatê-lo jogando granadas feitas a partir de suas fezes, urina e água do banho (é sério!). Estas granadas são fabricadas nos quartos privados das bases, portanto não esqueça de suas necessidades fisiológicas sempre que visitar um destes.
Você pode atordoá-lo e fugir do mar (fugir desde o começo é também uma opção). Volte e pegue a sua carga, espalhada pelo chão, em meio a peixes mortos e cristais dourados, em forma de mãos retorcidas saindo do chão. Tais cristais servem para criação de equipamentos nas bases.Acalme o bebê embalando o Dual Shock 4 e retome a sua jornada, Sam, estes pacotes não se entregarão sozinhos!
Se morrer… Sam é um repatriado, um humano com a capacidade de reconectar sua alma ao corpo e voltar à vida (Kojima, pls).
Fazendo amizades com estranhos
Cada base e/ou posto possui um líder, que te dará missões de entrega para outros locais. Na primeira visita de Sam à uma base, ele reconecta ela ao UCA (United Cities Of America), um grupo do que um dia foi o país americano, colapsado após o Death Stranding.Cada entrega é avaliada com notas baseadas no desempenho durante a entrega: peso, distância percorrida, integridade dos pacotes e tempo de entrega. Quanto mais entregas feitas em uma base, mais benefícios são conseguidos: aumento da quantidade de missões, acesso a novos itens para criação, aumento da capacidade de carga de Sam, aumento do espaço dos armários (compartilhado e privado), dentre outras coisas.

Nem sempre é possível entregar uma carga: ela pode ser danificada no caminho, perdida durante uma batalha ou até mesmo descer corredeira abaixo. Estes pacotes podem ser recolhidos por outros jogadores ou mesmo enviado a eles.
Como eu disse no começo, é um mundo solitário, porém margeado por uma interação online nunca antes vista. Você encontrará pacotes perdidos por outros jogadores, poderá aceitar itens e entregas deles (bem como repassar as suas). Da mesma forma, estruturas construídas podem ser compartilhadas ou finalizadas e melhoradas: pontes, torres, geradores.Atalhos também serão compartilhados: como cordas para rapel, escadas, trilhas percorridas por outros jogadores (indicadas com pegadas e placas) e “cápsulas” contendo armários privados e coletivos.É possível ainda colocar placas indicando rotas ou perigos à frente, como BT’s e região de chuva forte, placas com boost de energia ou mesmo que fazem BB ficar feliz. Ironicamente, a sigla DS de Death Stranding coincide com as siglas DS de Demon’s Souls e Dark Souls, jogos da From Software que popularizaram estas interações com dicas de jogadores.
Cada um destes itens e interações podem ser curtidos, tornando o jogo uma imensa rede social neste aspecto, aumentando a sensação de comunidade dentre os jogadores, mesmo que eles nunca se vejam. Esta metalinguagem tem um profundo impacto na narrativa, criando uma sensação de cooperação num jogo single player.
Quando alguém entrega um pacote que você perdeu, segue por uma rota, escala por uma corda que você deixou para trás ou mesmo usa e curte ou melhora uma estrutura que você fez, criasse um laço entre os jogadores.
Esta é grande parte da recompensa de DS, algo que pode não ser apreciado por todos e um dos aspectos ame ou odeie do jogo (acho que você já percebeu de que lado estou).
Belas paisagens e rostos conhecidos
Graficamente, DS é um deleite: a engine Decima (cedida pela Guerrilla Games) adapta-se muito bem às paisagens montanhosas de DS e melhora em muito a face dos personagens (ao contrário dos rostos chapados de Horizon Zero Dawn).
Kojima dispõe de um elenco de peso hollywoodiano: Norman Reedus, Mads Mikkelsen, Léa Seydoux e Lindsay Wagner. Conta ainda com o dublador Troy Baker (em sua primeira atuação com sua própria aparência e voz), o diretor mexicano Guillermo Del Toro e mesmo uma ponta do ex-jornalista de games e criador da premiação The Game Awards Geoff Keyghley (fã e amigo de Kojima), além de outras participações.

Música e sobriedade
A trilha sonora de DS é discreta, mas de forte personalidade.
Em grande parte o jogo é silencioso, fato inclusive comentado pelo protagonista; ouvem-se apenas os sons ambientais, entrecortados por momentos de uma trilha sonora variada em pontos chave, como a chegada em uma nova base.
A banda islandesa Low Roar configura boa parte da trilha sonora do jogo, que conta ainda com a banda inglesa de deathcore Bring Me The Horizon, dentre outros.

Temendo humanos e confiando em máquinas
Nem só de espíritos “vive” o mundo de Death Stranding: os Mulas são “piratas” da terra, humanos que já foram entregadores (ou contrabandistas), mas tornaram-se acumuladores compulsivos de cargas roubadas. Dominam certas partes do território e vão te atacar se puderem, lutando com bastões de choque, que podem utilizar como dardos de arremesso.
Em suas zonas de atuação, cercadas por sensores que detectam invasores, é possível achar armários e cabanas com parte de cargas roubadas de outros jogadores, ou mesmo recursos para construção. Com um pouco de sorte, avançando unicamente no stealth ou nocauteando todos os Mulas da área, você pode até mesmo conseguir uma pequena camionete, que possibilitará transportar mais cargas.
Sam se vira bem no corpo a corpo, utilizando algumas armas não-letais ou mesmo a própria “bagagem”.

Falando em veículos, eles são um elemento raro no início do jogo, com uma durabilidade limitada e dependentes de geradores para manter as baterias vivas. É possível roubá-los dos Mulas ou mesmo fabricar alguns, como camionetes ou motos. Existem ainda pequenos trenós para carga e robôs entregadores.
Cada um destes itens é conseguido após diversas entregas manuais. Pequenos prêmios pelo esforço de Sam, facilitando as entregas futuras.

Sam Of All Trades
Fazer entregas no pós-apocalipse é uma tarefa árdua, mas Sam Porter Bridges dispõe de uma vasta gama de utensílios e estruturas: de granadas hemáticas (fabricadas com as secreções do corpo) a pontes, passando por geradores, bolsas de sangue e abrigos.
No entanto, nada é permanente: os equipamentos constantemente estragam.
É preciso reparar construções e planejar bem os itens antes de sair para uma entrega: nunca se sabe quando você vai precisar improvisar.

A chuva temporal (no sentido de passagem de tempo, uma “dualidade cacofônica” na tradução para o português) acelera o tempo de tudo, corroendo itens e estruturas e envelhecendo personagens sem proteção. Ela também dificulta escaladas e é mais torrencial em áreas dominadas por BT’s.
Trabalhando mais para trabalhar menos
Pode-se dizer que um dos focos principais de DS é a otimização de sistemas. A cada nova conquista, facilita-se a rota e o processo das entregas.
Os “múltiplos Sams” cooperam sem nunca se ver, deixando para suas contrapartes online estruturas, itens e esperança.
Sam conecta não apenas os múltiplos moradores de um mundo devastado, mas também os jogadores através da internet.
DS pode ser encarado como uma metáfora para os seres humanos, tão distantes num vasto mundo online.
Esta mensagem de união foi algo que Kojima tentou explorar, ainda que discretamente, em Metal Gear Solid V.
Aqui a ideia é melhor executada e melhor integrada ao gameplay.
Apesar de um jogo com plot profundo e misterioso, mecanicamente o título é simples em seu cerne: vá do ponto A ao ponto B, equilibrando caixas da melhor maneira que conseguir. O clima, o terreno e a gravidade são seus principais adversários.
Transportar pesados pacotes é uma tarefa árdua, que você executará sozinho. O fardo, porém, é carregado por tantos outros jogadores, que compartilham de uma mesma vontade.Os esforço são conjuntos, o que cria uma estranha sensação de conforto na solidão do protagonista.
Colocando a leitura em dia
Parte do plot está em e-mails e entrevistas de personagens que vão sendo liberados conforme as entregas são realizadas.
Em muitos jogos essa prática costuma ser preguiçosa, mas considerando a profundidade da “mitologia de DS”, faz-se necessária essa expansão de lore. Grande parte de teorias e explicações sobre diversos aspectos do universo, bem como curiosidades do jogo, estão lá; acredite, vale à pena separar um tempo pra ler alguns dos textos.
Conflitos armados e o peso da morte
Em determinado ponto, armas de fogo são liberadas (com um propósito específico), mas seu uso fica livre daí em diante.
Porém, o uso de munição letal não é recomendado: cada inimigo morto aumenta a área de BT’s: caso mate alguém (com tiros ou mesmo atropelado), será necessário transportar o corpo para o incinerador da área.

Raras são as vezes em que um game over acontece, devido ao repatriamento de Sam, mas caso ocorra, uma imensa cratera forma-se no local da morte, criando uma extensa (e permanente) zona de BT’s e chuva temporal.
Esta característica do título cria uma dinâmica diferente do jogador com a morte, algo tão comum e banal na maioria dos jogos e é uma das grandes diferenças de Death Stranding com os outros jogos do próprio Hideo Kojima.
Mas afinal de contas, do que se trata Death Stranding?
Voltamos à pergunta inicial do texto.Embora o assunto seja complexo, classificar e catalogar é uma característica do ser humano.
É difícil enquadrar Death Stranding em um único gênero, mas é igualmente difícil enquadrá-lo como um novo gênero.Ele engloba alguns: open world, walking simulator e “jogo de sistemas”.
Tais “estranhezas” da obra a diferenciam do jogo padrão, o que causa o efeito ame ou odeie.
Posto tudo isto, a natureza experimental de Death Stranding torna difícil sua recomendação: é tanto seu ponto forte quanto seu ponto fraco.
Jogadores mais tradicionais podem torcer o nariz para o ritmo e os objetivos do jogo.
Apesar disto, é definitivamente uma obra que vale à pena ser testada, mas vá com a mente aberta.
PONTOS POSITIVOS:
– universo e mitologia excêntricos- bom elenco e atuações dos NPC’s
– mecânica simples, mas profunda e viciante
– belos gráficos e boa performance no console
– Kojimices
PONTOS NEGATIVOS:
– exposição lenta de plot
– protagonista apático e pouco falante em diversos momentos
– Kojimices